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7 problemas e 1 herói: o futebol brasileiro 3 anos após fiasco

Não se deixe iludir pelo sucesso da seleção de Tite. Três anos após desastre no Mineirão, futebol nacional segue em crise moral, financeira e esportiva

Por Da redação |
Fernandinho durante jogo contra Alemanha na Copa do Mundo de 2014 e Tite, durante jogo contra Argentina, válido pelo qualificatório da Copa do Mundo, em Belo Horizonte

Fernandinho durante jogo contra Alemanha na Copa do Mundo de 2014 e Tite, durante jogo contra Argentina, válido pelo qualificatório da Copa do Mundo, em Belo Horizonte

Há três anos, o Brasil assistiu incrédulo ao maior vexame da história do esporte no país. A derrota por 7 a 1 para a Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, em 8 de julho de 2014, no Mineirão, expôs a falta de planejamento do futebol brasileiro e o atraso em relação às principais potências, e ainda levantou uma série de reflexões. O “choque de realidade”, porém, não se traduziu em mudanças profundas. Pelo contrário: chegaram as contas dos elefantes brancos, da corrupção na CBF e do despreparo dos cartolas. A recuperação da seleção brasileira, muito por causa da competência do técnico-herói Tite, pode até maquiar um pouco a crise e limpar a barra de Marco Polo Del Nero e companhia. Mas a verdade é que continuamos perdendo de 7 a 1… e lá vem mais!

Problema 1: Cartolagem

Tite pode até ter dado ares de credibilidade e lisura à CBF, mas a entidade segue sendo dirigida por Marco Polo Del Nero, um dos responsáveis diretos pelo 7 a 1. Ele assumiu a presidência em 2015, depois que seu eterno companheiro José Maria Marin foi preso na Suíça, acusado de receber propina no escândalo da Fifa. Também envolvido em escândalos, Del Nero não viaja para o exterior desde então, com medo de também acabar na cadeia ou com tornozeleira eletrônica. Os chefes das federações estaduais e dos principais clubes do país não ficam atrás. Nos últimos três anos, diversos cartolas do país tiveram de responder a denúncias de corrupção.

José Maria Marin, hoje preso nos EUA, e seu sucessor Marco Polo Del Nero, que não viaja Sérgio Lima/Folhapress/VEJA

Problema 2: Elefantes brancos

Essa bola estava cantada. Apesar de os cartolas e políticos da época (destaque para o o ex-ministro Aldo Rebelo) garantirem que seria uma boa ideia construir mega-arenas em Mato Grosso, Amazonas, Brasília e Rio Grande do Norte, logo após o Mundial ficou claro que o problema do futebol desses Estados não era a falta de um grande estádio. Os elefantes brancos, por sinal, pioraram ainda mais a situação, pois não têm sido bem aproveitados e geram alto custo com manutenção. Até mesmo Estados mais tradicionais em futebol, como Pernambuco, Bahia, e, pasmem, Rio de Janeiro, sofrem para conseguir lucros com as arenas usadas na Copa.

Mané Garrincha, em Brasília, o estádio mais caro da Copa (mais de 1,7 milhão de reais) Ivan Pacheco/VEJA

Problema 3: Coadjuvante no continente

A seleção brasileira se recuperou após a chegada de Tite, já está garantida na Copa de 2018 e inevitavelmente chegará à Rússia como favorita. Sob o comando de Dunga, porém, a seleção voltou a passar vergonha com as eliminações precoces nas Copas América de 2015 e 2016. Ainda mais preocupante e sintomático que isso foi o desempenho dos clubes nacionais: mesmo com investimentos amplamente superiores que os vizinhos da América do Sul, o Brasil não venceu nenhuma edição da Copa Libertadores desde o Atlético-MG em 2013 – os argentinos San Lorenzo e River Plate e o colombiano Atlético Nacional foram os últimos campeões, vencendo nas finais equipes de Paraguai, México e Equador.

Atlético Nacional, da Colômbia, atual campeão da Libertadores Raul Arboleda/AFP

Problema 4: Exportação de talentos

O problema é antigo e parece ter se acentuado em tempos de crise econômica. Os atletas de destaque do futebol brasileiro, sejam jovens ou veteranos, continuam deixando o país com extrema facilidade para atuar nas mais variadas ligas. Depois do 7 a 1, a China apareceu como o destino favorito de jogadores com passagem pela seleção brasileira – em alguns casos, um par de convocações já foi suficiente para atrair o interesse dos milionários asiáticos. Jovens promessas também foram embora após um ou dois campeonatos de destaque rumo a clubes médios ou pequenos da Europa. O caso mais escandaloso aconteceu em 2017: o atacante Vinícius Júnior, de apenas 16 anos e nenhum gol marcado pelo Flamengo, foi comprado pelo Real Madrid pelo equivalente a 165 milhões de reais.

Vinícius Júnior mal estreou pelo Flamengo e já está vendido ao Real Madrid Buda Mendes/Getty Images

Problema 5: Gigantes em crise financeira

Assim como acontece na seleção de Tite, os bons resultados dos clubes nem sempre têm ligação com a competência de seus dirigentes. O Corinthians, campeão paulista e atual líder do Brasileirão, é um desses casos. Sem patrocínio máster desde abril, quando rompeu com a Caixa, e com problemas para pagar as dívidas do estádio Itaquerão (onde estão os tão falados “naming rights“?), o time de maior torcida do Estado vive situação financeira difícil, mesmo recebendo uma fortuna das cotas de TV. O São Paulo vive situação ainda pior, já que nem os resultados ajudam. Mesmo vendendo seus principais talentos ano após ano (em 2017 partiram David Neres e Luiz Araújo), o clube que já foi exemplo de gestão não consegue mais formar times competitivos. No momento, o clube mais rico do Brasil é o Palmeiras, com grande contribuição de sua patrocinadora – só em 2017 receberá 72 milhões de reais da Crefisa. O Flamengo aparece como o bom exemplo de gestão financeira, mas ainda não conseguiu conquistas relevantes.

Líder do Brasileirão, Corinthians não tem patrocínio máster e vive grave crise financeira Ale Frata/Folhapress

Problema 6: Equipes sem brilho

Esqueça a seleção brasileira, que é apenas a ponta do iceberg. Após o 7 a 1, as poucas equipes que demonstraram um futebol moderno e atraente foram rapidamente desfeitas, como o Corinthians de 2015, cuja metade do time foi para a China e o treinador foi para a seleção. Nem mesmo Palmeiras e Flamengo, que nos dois últimos anos tiveram recursos quase ilimitados para contratar estrelas, conseguiram formar times que serão lembrados por sua excelência técnica. Muito por causa do próximo seguinte, o resultado segue sendo muito mais importante que o desempenho.

Flamengo montou elenco caríssimo, mas foi eliminado da Libertadores na primeira fase //Reuters

Problema 7: Dança da cadeira dos treinadores

Joachim Löw está em seu 11º ano à frente da seleção alemã. No Bayern, principal clube do país, Guardiola teve três anos para impor suas ideias e, mesmo sem ter conquistado a Liga dos Campeões, contribuiu para o desenvolvimento do futebol alemão até partir para o Manchester City. O mesmo costuma acontecer nos grandes times de Espanha, Inglaterra e etc. Os bons exemplos, porém, não contagiam os clubes brasileiros, que seguem contratando treinadores sem convicção e cedendo rapidamente à pressão por resultados imediatos. Só neste Brasileirão, oito treinadores já foram demitidos. O São Paulo, que nos últimos cinco anos teve sete treinadores (sem contar interinos) e não ganhou nenhum título – agora cogita não pagar a multa rescisória acordada com o ídolo Rogério Ceni) — é o melhor exemplo de como não agir em relação a seus técnicos.

Rogério Ceni: aventura como treinador do São Paulo durou apenas sete meses Alexandre Schneider/Getty Images

Um candidato a herói: Tite

Em 2016 – com vários anos de atraso –, a CBF, enfim, contratou Tite. Em apenas alguns meses, o treinador gaúcho transformou a equipe, então motivo de chacota no continente, em uma das favoritas ao título da Rússia. Com ele, craques como Neymar e Philippe Coutinho se desenvolveram, jovens talentos como Gabriel Jesus apareceram e até atletas esquecidos, remanescentes do 7 a 1, como Paulinho e Daniel Alves, se recuperaram em grande estilo. Além dos bons resultados (foram oito vitórias seguidas nas Eliminatórias, um recorde que garantiu o Brasil na Copa), o time de Tite apresentou padrão tático e um estilo mais condizente com as tradições do futebol pentacampeão. O sucesso foi tão grande que até uma campanha para Tite como presidente do Brasil em 2018 ganhou força nas redes sociais. Nada disso, porém, garante que o time será campeão no ano que vem. Muito menos apaga os inúmeros problemas do futebol nacional.

O dia em que Tite assumiu a seleção, em julho de 2016 Lucas Figueiredo/Mowa Press/Mowa Press
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