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Vini Jr: O que prevê a lei espanhola aos torcedores envolvidos no caso

Polícia já liberou alguns dos identificados em Valencia por ofensas raciais ao jogador; legislação do país não deve acarretar punições severas

As possíveis punições pelos insultos raciais envolvendo o atacante Vinicius Júnior, do Real Madrid, ainda são desconhecidas dois dias depois da repercussão mundial do caso. O décimo registro de manifestações criminosas sofridas pelo jogador desde 2021, desta vez em Valencia, conduziu a polícia espanhola a detenção de sete torcedores, três deles já soltos, segundo informações da RTVE, maior grupo de rádio e televisão do país europeu.

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Eles foram identificados pelo próprio Valencia, mas liberados após prestarem depoimento com obrigação de comparecerem futuramente em tribunal. A polícia local ainda prendeu outras quatro pessoas pela simulação de enforcamento com um boneco que usava a camisa do jogador brasileiro em um clássico entre Real e Atlético de Madri, em janeiro.

O clube da capital denunciou o caso à Procuradoria Geral da Espanha por “delitos de ódio” e discriminação, mas ainda aguarda por punições no âmbito desportivo ou criminal aos envolvidos. Nesta terça-feira, 23, o Comitê de Competição de LaLiga decidiu anular o cartão vermelho recebido por Vinicius Junior por considerar que a arbitragem de vídeo errou ao não exibir toda a confusão (o brasileiro foi imobilizado no pescoço antes de reagir com uma agressão). Além disso, um setor do Estádio Mestalla foi fechado por cinco partidas e o Valencia foi punido com uma multa de 45.000 euros.

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PLACAR ouviu o advogado Alamiro Velludo Salvador Netto, professor titular de direito penal da USP (Universidade de São Paulo), especialista nas leis espanholas, com pós-graduações na Espanha e na Itália, também membro da procuradoria do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva).

Ele explica o que pode ocorrer aos infratores. De acordo com o código penal do país, as maiores punições variam entre três a sete meses de reclusão, caso enquadrados nos artigos 208 e 209, e de um a quatro anos ou seis meses a dois anos de prisão, caso as manifestações sejam interpretadas nos artigos 510.1 e 510.2, respectivamente.

Entenda melhor:

Lula e ministros brasileiros podem intervir no caso?

Não. A primeira coisa que precisa ficar clara é que no Brasil não vamos ter nenhuma repercussão jurídica. Por mais que já tenha sido noticiado, que o presidente Lula se manifeste, a ministra da Igualdade Racial [Anielle Franco] peça por uma audiência com autoridades da Fifa, de La Liga, isso está completamente fora de alcance do nosso contexto de jurisdição, seja ele criminal ou desportivo. Pode funcionar do ponto de vista político, institucional, diplomático, mas juridicamente não funcionará.

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E por que não?

O fato aconteceu em território espanhol, a soberania jurídica é espanhola. Não há como a lei brasileira se aplicar em absolutamente nada, por mais que a vítima seja um brasileiro. Da mesma forma, desportivamente falando, a nossa jurisdição máxima é o STJD, do qual sou procurador, mas não posso denunciar um acontecimento com um campeonato de outro país. Claro que podemos colocar o nosso inconformismo a Fifa, Conmebol, mas não há como julgar nada no âmbito desportivo ou criminal.

Mas o que pode acontecer com os torcedores identificados?

O delito de injúria [que eles cometeram] está tipificado entre os artigos 205 e 209 do código penal espanhol. Os que tratam sobre injúria, especificamente, são os de 208 e 209, como uma ação ou expressão que afete a dignidade de alguém. Não há na legislação específica no país para a injúria racial. Se fosse no Brasil, sim. Há uma redação moderníssima o artigo 2-A da Lei 7.716/1989, alterada em 11 de janeiro de 2023, estabelecendo de dois a cinco anos de reclusão o crime de ‘injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão da raça, cor etnia ou procedência nacional’.

O que diz a lei espanhola exatamente?

Artigo 208. Constitui injúria o ato ou expressão que atente contra a dignidade de outrem, atente contra sua fama ou atente contra sua própria estima.

Só constituirão crime as injúrias que, pela sua natureza, efeitos e circunstâncias, sejam tidas como graves pela opinião pública, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 173.º.

Não serão consideradas graves as injúrias que consistam na imputação de factos, salvo quando tenham sido praticadas com conhecimento da sua falsidade ou desrespeito temerário pela verdade.

Artigo 209. Injúrias graves feitas com publicidade serão punidas com multa de seis a quatorze meses e, em outro caso, com multa de três a sete meses.

A pena só iria até no máximo sete meses de reclusão?

A pena de injúria é baixa, de três a sete meses de reclusão, com multa de seis meses a um ano e dois meses. A do nosso código penal é mais alta porque vivemos um momento político de reagir com intensidade a casos assim.

Então, criminalmente, não deve haver punições rigorosas?

Vai ser muito difícil [do ponto de vista criminal]. Em compensação, a jurisdição desportiva deve tomar uma medida mais efetiva. Acho que a consequência desportiva vai existir. Criminalmente o cenário é bem diferente, é um pouco mais difícil. Tem o problema de identificação dessas pessoas, a responsabilidade criminal. A lei espanhola não é das mais severas no tema, permite ainda acordos penais, De modo que isso vai acabar ganhando repercussão maior no campo desportivo. [No caso de agressão sexual envolvendo o Daniel Alves] há uma repercussão penal muito mais forte e um contexto de reprovação de provocaram reformulações políticas e jurídicas na Espanha. O país, há muitos anos, tem uma preocupação enorme na violência contra a mulher e doméstica. Então, há um tratamento que é naturalmente pelo muito mais grave. E são situações diferentes, figuras delitivas completamente distintas. A pena, se comprovada a acusação, pode ir de um a quatro anos, no artigo 178, ou de 4 a 12 anos, no artigo 179.

E não há nenhum outro artigo possível além dos citados na Espanha?

Tem um outro detalhe importante: há, também, uma alteração mais recente na legislação espanhola do artigo 510 que incluiu esses chamados delitos contra o exercício de direitos fundamentais e liberdades públicas garantidos pela constituição. Eventualmente é possível tentarem encaixar essa figura delitiva para o episódio. Entretanto, vai haver uma grande discussão jurídica, que é a velha discussão de ofensa pessoal, que é a injúria, e a ideia do racismo. Se entenderem que ali houve uma ofensa ao Vinicius Júnior com a finalidade de agredi-lo e abalá-lo emocionalmente pelo fato de pertencer a um clube adversário, ao meu ver não passará de uma hipótese de injúria. Entretanto, se quiserem dizer que foi utilizado como um exemplo para um discurso de ódio maior, aí podem dar essa repercussão mais ampla. A grande questão é saber como a justiça vai tratar isso do ponto de vista completa quando virar uma acusação efetiva. Se ficará como no âmbito individual ao jogador ou se vão entender, em razão do contexto, que isso afeta e causa um problema maior do que a individualidade.

O que diz exatamente o artigo 510 e quais são as possíveis punições?

São o que a lei chama de ‘delitos cometidos por ocasião do exercício de direitos fundamentais e liberdades públicas garantidos pela Constituição’, com pena de prisão de um a quatro anos e multa de seis a doze meses no 510.1 por ‘aqueles que publicamente encorajam, promovem ou incitam direta ou indiretamente ao ódio, hostilidade, discriminação ou violência contra um grupo, parte dele ou contra uma pessoa determinada em razão de sua pertença a ele, por motivos racistas, anti-semitas, anti-cigano ou outros motivos, referindo-se a ideologia, religião ou crenças, situação familiar, pertença dos seus membros a um grupo étnico, raça ou nação, à sua origem nacional, ao seu sexo, orientação ou identidade sexual, por motivos de género, aporofobia, doença ou deficiência’.

Há, também, a pena de prisão de seis meses a dois anos e multa de seis a doze meses no 510.2 que diz ‘os que atentem contra a dignidade das pessoas com atos que impliquem humilhação, desprezo ou descrédito de algum dos grupos referidos no número anterior, ou de parte deles, ou de qualquer pessoa determinada em razão da sua pertença a eles por motivos racistas, anti-semitas, anti-ciganos ou outros relacionados com ideologia, religião ou crenças, situação familiar, pertença dos seus membros a um grupo étnico, raça ou nação, origem nacional, sexo, orientação ou identidade sexual, por razões de sexo, aporofobia, doença ou deficiência’.

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