Union Berlin, o primeiro time da antiga Alemanha Oriental na Champions
Clube 'operário' fez temporada sólida na Bundesliga, terminou em quarto lugar e garantiu presença na maior competição de clubes do continente
Um grupo cada vez mais restrito vem dominando as ligas europeias: o dos gigantes endinheirados. Ainda assim, ocasionalmente ocorre de um valente time com poder aquisitivo menor incomodar e fazer o mundo inteiro se encantar com o embate “Davi x Golias” do futebol. Ou melhor, “Proletário x Burguês”, no caso do Campeonato Alemão, em que o Union Berlin terminou a temporada como o primeiro time da antiga Alemanha Oriental, fundado antes da unificação, classificado para a Champions League.
O Union Berlin terminou a temporada na quarta colocação da Bundesliga, 62 pontos, apenas nove de distância do campeão Bayern de Munique. O time da capital chegou a liderar a competição durante algumas poucas rodadas e conseguiu pressionar os rivais da Baviera que viveram uma altos em baixos apesar do título.
O RB Leipzig, também pertencente a Alemanha Oriental, já havia conseguido o feito de participar de uma Champions League, mas neste caso a equipe foi fundada em 2009, apenas depois da reunificação.
Dann sehen wir uns wohl nächste Saison, @ChampionsLeague 🤝 pic.twitter.com/KhuxYB0ldx
— 1. FC Union Berlin (@fcunion) May 27, 2023
Fundado em 1906 na região de Oberschöneweide, onde havia alta concentração de metalúrgicos, o time se tornou ligado à classe trabalhadora da capital alemã, desde quando era chamado de Olympia Oberschöneweide, antes de uma fusão que rebatizou a equipe com o atual nome;
Mas as grandes marcas ideológicas foram sendo adquiridas com o tempo, especialmente após a construção do Muro de Berlim, no início dos anos 1960. Com a cisão, o Union passou a integrar a República Democrática Alemã (Alemanha Oriental ou socialista) durante a Guerra Fria e era proibida de enfrentar as potências da República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental), como Bayern de Munique, Borussia Dortmund e até o vizinho Hertha Berlim, que ficou do lado capitalista.
A questão, no entanto, foi que a popularização do time e do charmoso estádio An der Alten Forsterei incomodou o regime, que tinha como favorito o Dynamo de Berlim – fenômeno semelhante ocorria em Moscou, onde o governo apoiava o Dínamo, enquanto o Spartak se consolidou como o “time do povo”.
Assim, o time que em sua essência já desafiava até mesmo as classes altas, que era o principal público consumidor e praticante do futebol na época, utilizou suas raízes populares para se tornar uma força do antiautoritarismo. “Nem todo torcedor do Union é inimigo do Estado, mas todos os inimigos do Estado são torcedores do Union”, assim estampou o satírico jornal Eulenspiegel, famoso na região.
Ao longo dos anos, com o iminente enfraquecimento do regime comunista, a torcida do Union foi ganhando apoio de hippies e punks. “O muro vai cair” era um dos gritos nas arquibancadas. Em 27 de janeiro de 1990, já com o muro no chão e a Alemanha Unificada, veio o grande momento da equipe: um amistoso contra o Hertha para celebrar a união na capital, diante de mais de 50.000 torcedores no Estádio Olímpico de Berlim, o mesmo onde o americano Jesse Owens desafiou Adolf Hitler na Olimpíada de 1936.
O Union Berlin, então, se acostumou a disputar as divisões de acesso à Bundesliga, mas sempre convivendo com dificuldades financeiras – e resistindo graças à solidariedade da comunidade. A cantora alemã Nina Hagen, ícone punk na década de 80, foi uma das pessoas que contribuíram nas campanhas de socorro ao Union, inclusive gravando o hino da equipe.
Em 2009, quando o time chegou à segunda divisão, o Estádio An der Alten Försterei precisou passar por uma ampliação para chegar à capacidade mínima de 20.000 espectadores exigida pela liga. Como o clube passava por dificuldades financeiras, cerca de 2.000 fãs dedicaram 140.000 horas de trabalho voluntário para finalizar o trabalho. O time ainda realizou campanhas de doação de sangue e de combate ao racismo, e torcedores compraram ações para evitar que a diretoria precisasse vender os naming rights do estádio.
Para reforçar os laços com a comunidade, a sede do clube recebe anualmente uma grande festa de Natal. Fatos como esse fazem do Union Berlim um dos símbolos da luta contra a intolerância na Alemanha, ao lado do St.Pauli e do Borussia Dortmund.
‘Dérbi da Alemanha Oriental’
Em sua primeira partida pela Bundesliga, atual primeira divisão alemã, em 2019, os torcedores do Union Berlin protagonizaram um momento histórico: o adversário foi o Red Bull Leipzig, o mesmo deste sábado, e único representante da antiga Alemanha Oriental até a chegada do Union – e vítima de enorme rejeição dos rivais por seu modelo de negócio.
A forte equipe gerida pela marca austríaca de bebidas energéticas venceu com tranquilidade – 4 a 0 –, mas o destaque do encontro foram as manifestações nas arquibancadas do time da casa. Antes da partida começar, fãs do Union Berlin estiraram cartazes com fotos em preto e branco. Eram imagens de torcedores que batalharam pelo desenvolvimento do clube e morreram antes de realizar o sonho de ver o time alvirrubro na primeira divisão.
An emotional evening for Union Berlin supporters, as past and present unite 🔴⚪ pic.twitter.com/WjukPci5qR
— Bundesliga English (@Bundesliga_EN) August 18, 2019
Depois do emotivo tributo, o tom nas arquibancadas foi de protesto: a torcida berlinense, orgulhosa de ser uma das mais barulhentas e participativas do país, passou 15 minutos em silêncio absoluto. Era uma crítica irônica ao perfil do Red Bull Leipzig, apontado como o maior representante do “futebol moderno” e criticado por sua artificialidade. Graças ao aporte da patrocinadora, o Red Bull subiu da 5ª divisão para a Bundesliga em apenas sete anos e é hoje uma das equipes mais caras da Alemanha – e atual quarta colocada.
Destaques do time
Em sua quarta temporada de elite, a mística extrapolou o fora do campo e chegou ao destaque em desempenho, sob comando do suíço Urs Fischer, treinador do time desde julho de 2018.
Entre os destaques da equipe, estão o volante Rani Khedira, irmão de Sami Khedira, campeão do mundo com a seleção alemã, em 2014, e o atacante Sheraldo Becker, autor de 11 gols na liga, além de ter sete assistências.
Porém, o principal ponto forte do Union é a organização tática, especialmente defensiva, o que fez o time terminar a Bundesliga com a melhor defesa da competição, com apenas 38 gols sofridos, junto com o campeão Bayern de Munique.