Baloubet curte aposentadoria à margem de atrito de dono e clã Pessoa
Pelo menos três vezes por semana, Dom Diogo Pereira Coutinho, 90 anos, cruza a ponte sobre o Rio Tejo no volante de uma Mercedes para percorrer o caminho de 30km que separa o palacete do século XIV em que vive de um dos seus maiores orgulhos na vida: o cavalo Baloubet du Rouet. No mesmo […]
Pelo menos três vezes por semana, Dom Diogo Pereira Coutinho, 90 anos, cruza a ponte sobre o Rio Tejo no volante de uma Mercedes para percorrer o caminho de 30km que separa o palacete do século XIV em que vive de um dos seus maiores orgulhos na vida: o cavalo Baloubet du Rouet. No mesmo dia em que Rodrigo Pessoa desfilou como porta-bandeira do Brasil nos Jogos de Londres, a Gazeta Esportiva.net foi recebida com exclusividade pelo milionário português para traçar um perfil do garanhão que só aceita tratadoras mulheres, tem incontáveis filhos espalhados pelo mundo, carro particular e colocou para sempre o verbo refugar no inconsciente coletivo do povo brasileiro.
Sentado ao lado de sua secretária, Dom Diogo dispensa as lentes corretivas para observar os movimentos do cavalo no picadeiro de um haras em Benavente, nas imediações de Lisboa. Ele convidou a reportagem para ficar ao seu lado enquanto o animal rodopiava no piso de areia, mas não conseguiu conversar muito. Preocupado, o empresário distribuía ordens incessantemente ao funcionário que controlava Baloubet du Rouet para evitar qualquer incômodo ao animal responsável pelo único ouro do Brasil no hipismo (Atenas-2004), mas mais lembrado pelas refugadas de Sydney-2000.
Considerado um dos melhores cavalos da história e tratado com status de celebridade até hoje, Baloubet du Rouet, 23 anos, foi montado apenas por Nelson e Rodrigo Pessoa. Os títulos da Copa do Mundo e medalhas olímpicas conquistados estreitaram os laços da família com Dom Diogo Pereira Coutinho, mas um desentendimento no momento de encerrar a carreira do animal provocou uma ruptura. À margem do atrito entre o português e o clã mais tradicional do hipismo brasileiro, o campeão curte sua aposentadoria em um haras simples, mas com todo conforto que poderia desejar.
Enquanto apresentava, orgulhoso, Baloubet à reportagem, Dom Diogo telefonou para a esposa, que já viveu no Brasil, e encomendou caipirinhas para o almoço. ‘Fraquinhas, porque eles estão trabalhando’, observou. A secular casa do empresário, restaurada de forma minuciosa, tem uma série de alusões ao cavalo, entre elas uma escultura de bronze de sua cabeça, e vários jardins bem cuidados, pelos quais o animal às vezes passeia. A partir do prato de entrada, um melão cortado ao meio simetricamente, passando pelo rosbife com legumes e até o sorvete de café servido como sobremesa, o terceiro filho varão de Dom Fernando Pereira Coutinho e Elvira de Castro Constâncio relembrou a história deste mito de quatro patas e deu sua versão sobre o fim pouco amigável da longa relação com os Pessoa.
Dom Diogo comprou Baloubet com apenas três anos, na França, a princípio para o adestramento. Ao perceber o potencial do animal para o salto, ele mudou o projeto de carreira e confiou-o ao amigo Neco (Nelson Pessoa), na Bélgica. O experiente cavaleiro brasileiro montou o animal durante aproximadamente quatro anos e, neste período, forjou sua identidade de saltador. Já no final da carreira esportiva, passou-o ao filho Rodrigo para a formação de um conjunto que conquistou os mais importantes títulos da modalidade.
‘O Baloubet evoluiu muito com o Neco e ele traçou grandes projeções para o animal. Em seguida, o Rodrigo fez uma excelente carreira com o cavalo. Os dois viveram os respectivos auges juntos. Era um conjunto harmonioso, sensacional, extraordinário mundialmente. Eu considero o Rodrigo um dos melhores cavaleiros do mundo’, declarou Dom Diogo já no momento do café, ao qual ele adicionou uma colher transbordante de açúcar mascavo.
Juntos, Rodrigo Pessoa e Baloubet du Rouet viveram anos tão doces quanto a bebida apreciada pelo proprietário do animal. O conjunto conquistou o inédito tricampeonato da Copa do Mundo em Helsinque-1998, Gotemburgo-1999 e Las Vegas-2000, além de uma série de vitórias em GPs internacionais. Nos Jogos Olímpicos, o ouro veio apenas em 2005, um ano após a competição em Atenas, devido à eliminação da montaria do irlandês Cian O’Connor por doping. O tão esperado resultado redimiu o cavalo após as históricas refugadas em Sydney-2000, quando voltou da competição somente com o bronze por equipes e a fama de amarelão.Doze anos depois das falhas inesperadas na Austrália, enquanto Rodrigo Pessoa desfilava à frente da delegação brasileira na festa de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, Baloubet du Rouet descansava em sua baia, isolada das demais, após mais um dia tranquilo de atividades físicas e cuidados com o corpo proporcionados pela tratadora particular que tem à disposição. ‘Se o Rodrigo é o porta-bandeira do Brasil, uma bandeira mundialmente respeitada e reconhecida, é graças ao Baloubet, que deu ao País a única medalha de ouro no hipismo. Vai ser difícil o Rodrigo encontrar um cavalo para a vida dele como esse’, afirmou Dom Diogo.
Procurado pela Gazeta Esportiva.net recentemente, na cerimônia de hasteamento da bandeira nacional na Vila Olímpica de Londres, Rodrigo foi elogioso ao falar sobre o animal, ainda que não o tenha classificado como o mais marcante de sua trajetória. ‘Tive o privilégio de montá-lo em grandes campeonatos, com belas vitórias, mas montei vários animais de muita qualidade durante a minha carreira. É difícil destacar um cavalo, mas a verdade é que com ele ganhei títulos muito importantes. Não foi o mais marcante, mas foi um deles’, disse.
De acordo com Dom Diogo Pereira Coutinho, o fato de ele ter resolvido aposentar Baloubet du Rouet das competições, em 2006, estremeceu sua relação com os Pessoa. Depois de ver seu cavalo conquistar, com o brasileiro, os títulos mais expressivos da modalidade, o empresário português vislumbrou o momento ideal para afastar o animal dos saltos antes de uma possível queda de rendimento, decisão que não teria sido bem recebida por Neco.
‘O Baloubet fez uma carreira brilhante como cavalo de obstáculos junto com o Rodrigo Pessoa. Com 18 anos, ele já tinha vencido as maiores competições. Na carreira de um cavalo, como na de qualquer grande esportista, há um momento em que não se pode conquistar mais. Consultei meus veterinários, amigos e minha mulher. Todos disseram que seria triste ver o Baloubet cair no ranking. Eu era um grande amigo do Neco, mas ele discordava da aposentadoria do cavalo e tivemos um afastamento’, explicou.
A Gazeta Esportiva.net encontrou o empresário português na sexta-feira e, a partir de sábado, procurou entrar em contato com Neco, sem sucesso. A assessoria de imprensa da Confederação Brasileira de Hipismo (CBH) informou que ele está a trabalho na Itália e chegará a Londres para acompanhar os Jogos Olímpicos entre os dias 2 e 4 de agosto, quando poderá, se achar oportuno, apresentar sua versão sobre o afastamento com o proprietário de Baloubet du Rouet.’Atualmente, não temos mais relação. Nem ele precisa e nem eu quero ter. Sinto que a amizade não se cria ao longo do tempo, porque depois de mais de 30 anos o senhor Nelson preferiu seguir o seu caminho, que não considero certo. Mas isso pertence a ele, e não a mim’, disse Dom Diogo, antes de citar outro episódio que teria contribuído para o afastamento. ‘Eu tinha um cavalo com grande potencial que estava sob os cuidados do Nelson e precisou ser abatido depois de um acidente ainda não esclarecido’, afirmou.
Ainda que atualmente não tenham mais qualquer tipo de contato após uma longa amizade, Dom Diogo Pereira Coutinho e os integrantes da família Pessoa estão unidos pelo passado em comum. Se os interesses diferentes em torno da carreira de Baloubet du Rouet separaram os dois lados, todos certamente se lembrarão do período glorioso atrelado ao animal que, alheio à polêmica, vive uma aposentadoria confortável e sente saudade de competir.
*Colaborou Maria Clara Ciasca, de São Paulo