UMA SAF DA BASE
“O ritmo é intenso, treinamos todos os dias e abrimos mão de momentos de diversão com os amigos, mas para quem quer ser jogador esse é o preço a se pagar. É meu sonho, vou até o fim”. A fala ofegante, sob o sol forte das 14h, é de Francisco Ayello, de 14 anos, mas caberia perfeitamente na boca dos 100 outros meninos que assim como ele suam a camisa do Referência FC, uma novata equipe paulista que aposta em um modelo de negócios incomum. Na era das Sociedades Anônima de Futebol (SAFs), formato já adotado por gigantes como Botafogo e Cruzeiro, o Referência se apresenta como um outro tipo de clube-empresa: 100% formador, cujo objetivo é desenvolver atletas talentosos e negociá-los com equipes renomadas, do Brasil ou do exterior, além de exercer um papel social. Se o plano der certo, todos os lados saem ganhando: o atleta, que seguirá um bom rumo na carreira, e os empresários, que podem faturar com a joia lapidada a cada nova venda.
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O Referência Futebol Clube manda seus jogos no Estádio Municipal Hermínio Espósito, em Embu das Artes (SP) e os treinos acontecem no Clube da Comunidade (CDC) Jaguaré, na zona oeste da capital, próximo à estação de trem Presidente Altino. De segunda à sexta, passam pelo bem cuidado gramado sintético do CT cerca de 100 garotos divididos em quatro categorias (do sub-9 ao sub-17), com um treinador e um auxiliar para cada, além de profissionais de preparação física, treinadores de goleiros e médicos. O time de uniforme laranja, cujo mascote é uma águia, foi fundado em 2018, ainda como União Esportiva Referência Brasil, pelo atual presidente, Walter Junior. Seu principal diferencial em relação a outros clubes essencialmente formadores, como o Audax (antigo Pão de Açúcar Esporte Clube), é claro: o Referência não pretende ter um time profissional e brigar por títulos. A meta é formar adolescentes bom de bola e, aí sim, inseri-los no mercado.
Apesar de todos os percalços provocados pela pandemia de Covid-19, que freou a evolução de milhões de pretendentes a craque pelo Brasil, o projeto ganhou força há dois anos, quando passou efetivamente ao modelo de clube-empresa. Em 2022, o clube finalmente obteve seu grande objetivo, a filiação junto à Federação Paulista de Futebol (FPF). “Levou quase três anos. A burocracia e o investimento são muito grandes”, diz Walter. Por trás do projeto existe um investidor — que prefere manter o anonimato — que acompanha as atividades de perto, realiza reuniões periódicas e ajudou a preencher todos os requisitos da FPF. “Os custos são altíssimos para participar de todas as categorias do Estadual. Nós arcamos com o pagamento da arbitragem, ambulância, segurança, uniformes, inscrições de cada um dos atletas e tudo mais”, esclarece Walter.
O próximo passo é conseguir o Certificado de Clube Formador (CCF), que lhe permitirá receber uma porcentagem financeira sob cada negociação de um atleta de sua base. É graças a este mecanismo de solidariedade da Fifa que, por exemplo, o Santos faturou mais de 30 milhões de reais com a venda de Neymar do Barcelona para o PSG, em 2017. A quantia paga pelo clube comprador ao formador varia: é calculada de forma proporcional ao período em que o jovem esteve na primeira agremiação, dos 12 aos 23 anos. Por isso, quanto mais cedo um prodígio for descoberto, melhor. Para obter o selo, a FPF faz algumas exigências de estrutura, não só física, mas profissional como o vínculo de um assistente social, psicólogo e nutricionista ao clube, requisitos que o Referência terá de cumprir em até dois anos.
Pelo fato de ainda não possuir o CCF, o Referência já “perdeu” alguns jogadores, transferidos para Athletico Paranaense, São Paulo, Fluminense, Palmeiras, entre outros, sem um vínculo contratual. Um deles, Lucas, hoje no Flamengo, já integra as seleções brasileiras de base. “Estamos indo passo a passo, primeiro queremos ter um campo com estrutura boa, ter treinadores e meninos de bom nível. Em seguida, queremos ter um alojamento, refeitório e até estrutura de transporte. O investidor projeta lucros mais adiante", diz Walter. A Copa São Paulo de Futebol Júnior, competição que reúne times sub-20 masculinos de todo o Brasil, também está na mira do Referência. “Não sabemos se em 2023 ou 2024, mas vai acontecer”.
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