Publicidade
Publicidade

São Paulo x Tigre: os dois lados da história de uma final caótica

Onze anos depois, times se reencontram pela Sul-Americana com lembranças da "decisão que não acabou"; PLACAR ouviu personagens do duelo de 2012

O futebol brasileiro já entrava em clima de férias, em novembro de 2012, quando o São Paulo avançou à final da Sul-Americana contra o até então pouco conhecido Tigre, da Argentina. O duelo adquiriu um valor especial, para além da eterna rivalidade entre brasileiros e argentinos. O time da província de Buenos Aires chegava à primeira decisão de sua história e sonhava com um histórico título. Do lado tricolor, um jejum de quatro anos sem qualquer taça, algo incomum para os são-paulinos daquela época, ampliava a pressão sobre o tricampeão da Libertadores.

Publicidade

Aquela decisão tornou-se ainda mais memorável devido à batalha campal que culminou no não comparecimento do Tigre após o intervalo. Sem jogar a segunda etapa, o São Paulo de Rogério Ceni e Lucas Moura ergueu a taça num dos episódios recentes mais polêmicos do futebol sul-americano. Na próxima quinta-feira, 5, Tigre e São Paulo se reencontram, no Estádio José Dellagiovanna, em Buenos Aires, pela primeira fase da Sula. Aquela final de 11 anos atrás, no entanto, não foi esquecida – nem plenamente esclarecida. 

Pela capacidade do Estádio José Dellagiovanna, o primeiro encontro, em 5 de dezembro de 2012, foi mandado para a tradicionalíssima La Bombonera, do Boca Juniors. Em um jogo pouco inspirado do forte São Paulo, que contava com um quarteto de ataque composto por Jadson, Lucas Moura, Osvaldo e Luís Fabiano em grande fase, o jogo terminou sem gols,  com uma expulsão para cada lado e a decisiva guardada para a maior cidade do continente.

Publicidade

Em uma curiosa data – 12/12/2012 -, o Morumbi recebeu mais de 60.000 torcedores, que esperavam comemorar mais um título internacional e de quebra se despedir de Lucas Moura, que partia rumo ao PSG. A revelação do Tricolor foi o responsável por abrir o placar, participar ativamente do segundo gol, marcado por Osvaldo, e dar início a um desentendimento entre os jogadores, ao mostrar um algodão com sangue para o defensor Lucas Orbán, como espécie de denúncia às duras chegadas dos atletas do Tigre.

A confusão, que começou no gramado se estendeu para os vestiários, o que fez o time argentino não retornar para o segundo tempo, consagrando o Tricolor campeão, em uma “decisão que não acabou”, com o placar em 2 a 0.

Jogadores do Tigre no vestiário do Morumbi após final contra o São Paulo pela Copa Sul-Americana
Jogadores do Tigre no vestiário do Morumbi após final contra o São Paulo pela Copa Sul-Americana

Para relembrar os bastidores da final de 2012 e desenhar os dois lados de uma decisão caótica, PLACAR ouviu Ney Franco, treinador do time brasileiro na ocasião, e Gastón Diaz, ex-meia do time argentino, expulso no fatídico embate.

Publicidade

A versão de Gastón Diaz

Gastón Diaz, ex-jogador do Tigre, foi expulso na final de 2012
Gastón Diaz, ex-jogador do Tigre, foi expulso na final de 2012

Meio-campista com passagem pelo Tigre entre o fim de 2010 e 2014, Gastón Diaz foi titular na final de 2012. Expulso no final do primeiro tempo do jogo de volta, por confusão com Paulo Miranda, o argentino relatou os bastidores dos encontros da decisão.

Receptivo, Gasty, como gosta de ser chamado, relatou detalhadamente seu ponto de vista, a começar pelos dias anteriores. “Eu te conto como foi tudo. Quando o São Paulo veio aqui para a Argentina, não nos permitiram jogar em nossa casa, fomos para La Bombonera. Bom, dias antes do jogo, fomos fazer o treinamento lá e durante a atividade chegou o São Paulo. Nós finalizamos antes para ser amável com uma equipe visitante, dando espaço a eles.”

Ressaltando a receptividade de seu time durante o duelo na Argentina, conta como se sentiu tratado de maneira diferente no Brasil. “Agora nós, quando fomos jogar aí, já em primeiro momento, quando chegamos no Aeroporto, esperamos o ônibus por três horas para que ele nos levasse ao hotel. Depois disso, dentro do veículo, parecia que deram volta para todos os lados. Demorado muito tempo, chegamos no hotel.”

Jogadores do Tigre acusaram os seguranças do São Paulo de truculência e não voltaram para o segundo tempo
Jogadores do Tigre acusaram os seguranças do São Paulo de truculência e não voltaram para o segundo tempo

“Eles não nos disponibilizaram lugar de treinamento em nenhum momento. Nós tivemos que utilizar um campo de golfe, que ficava abaixo do hotel, e um campinho de futebol de cinco [futsal] para realizar treinamento tático e de bola parada. Depois, na hora que tínhamos que dormir para descansar, mais ou menos às 2h30 da manhã a torcida do São Paulo foi à porta do hotel e atirou bombas, fogos de artifício, fizeram de tudo. Pelo que sei, é uma tradição em alguns locais do Brasil, como alguns amigos me contam.”

Diaz narra os momentos da decisão desde a saída do hotel. “Saímos e o veículo deu uma volta por São Paulo toda. Gastamos quase duas horas, havia muito trânsito, mas o motorista ia para lugares em que não estava na rota. A polícia não nos escoltou direito ao estádio, fomos apenas nós com o ônibus. Na chegada ao Morumbi, atiraram pedras e uma janela foi quebrada. Para sairmos do carro, tivemos que nos abaixar, como se fôssemos delinquentes, porque nos tacavam coisas.”

O ex-jogador disse que a primeira confusão no estádio se deu quando a organização não autorizou o Tigre a aquecer em campo. “Chegamos em cima da hora, trocamos rápido para aquecer. Quando fomos subir ao campo, um segurança, nem sequer foi a polícia, nos proibiu, mandou aquecer no estacionamento. Nosso preparador físico conversou e meio que se forçou para subirmos ao gramado. Entramos e não ficamos nem dez minutos, até vir um funcionário da Conmebol, nos mandando de volta ao vestiário.”

Gastón reconhece que houve chegadas fortes, “de ambos os lados”, e a vitória parcial de São Paulo. E revela o estopim de todo o desentendimento: “Os percalços começaram quando Lucas Moura chegou em Lucas Orbán, mostrando um algodão ensanguentado em razão de um embate de jogo entre eles. Aí se armou um tumulto, que ficou entre os jogadores. Descemos para o vestiário, no túnel, não houve tentativa de invasão. E quando estávamos entrando no nosso vestiário, fomos agredidos.”

Vestiário do Tigre teve marcas de sangue
Vestiário do Tigre teve marcas de sangue

“Se armou uma briga que pode durar… uma briga de bairro, que pode durar dois minutos. Esta durou 10 minutos, literalmente. Saímos na porrada, nós nos defendemos. Nos deram pauladas, cortaram o braço do Galmaríni, cortaram o olho do nosso segurança, até que chegou um momento… Bom, chegou a polícia e nós pensamos ‘bom, a polícia veio nos proteger’. Mas sacaram o cassetete e nos deram pauladas. A polícia e os seguranças do São Paulo nos encheram de pauladas. Tanto é assim que chegou um momento que um segurança do São Paulo sacou uma arma e colocou no peito do goleiro, Damián Albil. Quando colocaram a arma no peito dele, nós todos fomos para dentro [do vestiário]”, relata Gastón, em um momento que julga ter sido aterrorizante.

Segundo ele, com tantos atletas machucados e em estado de choque, além da preocupação com a segurança de seus familiares que viajaram ao Brasil, não havia como o Tigre voltar para o segundo tempo. Sobre o jogo desta semana, o argentino torce para que não seja uma revanche extracampo, mas sim um “belo espetáculo”, como disse.

A versão de Ney Franco

Ney Franco foi campeão da Sul-Americana
Ney Franco foi campeão da Sul-Americana

Treinador do São Paulo à época, Ney Franco também foi procurado pela reportagem. O responsável por escalar o Tricolor, campeão do torneio de 2012, contou sua versão e seu ponto de vista da confusão. A única similaridade à versão de Gastón Diaz foi o tratamento recebido na Argentina.

“No primeiro jogo, a gente não teve nenhum problema de hostilidade, tanto da parte de torcedores quanto da diretoria. O que teve foi um jogo truncado, faltoso. Foi o confronto entre uma equipe muito técnica, a nossa, e outra que tinha a marcação forte. Foi catimbado, mas não tivemos problema nenhum fora do campo.”

Orgulhoso da campanha de seu time, Ney ressalta que o título foi merecido. “Daquele jogo final eu começo falando: a confusão não pode tirar o brilho de nossa campanha. Nós fizemos uma campanha espetacular na Sul-Americana, entre esses feitos fomos uma equipe que não tomou gol em casa. Tivemos o melhor jogador da competição, que foi o Lucas. Eu fui eleito o melhor treinador. Então, o que a gente tira de rendimento foi o trabalho muito bem feito.”

Sobre a final caótica, Ney conta seu ponto de vista, apontando que houve exagero de força dos atletas do Tigre: “Os bastidores daquela confusão tem a parte que vocês sabem e viram: o time adversário queria usar da catimba, parar o jogo o tempo todo. E eu sempre coloco que se tivesse VAR, eles teriam jogador expulso ainda durante o primeiro tempo.”

Imagem do vestiário do Tigre no estádio do Morumbi após final contra o São Paulo pela Copa Sul-Americana
Imagem do vestiário do Tigre no estádio do Morumbi após final contra o São Paulo pela Copa Sul-Americana

“Acabou o primeiro tempo, uma confusão, depois que começou em campo, se estendeu para os vestiários. Estávamos no nosso vestiário, que tem uma porta em um corredor próximo ao vestiário do adversário. E aí, essa porta foi chutada e fomos informados que os atletas do Tigre queriam invadir. Assim, os seguranças do clube agiram e uma confusão generalizada começou”, contou Franco.

O treinador afirma que durante o intervalo as informações para o elenco do São Paulo eram poucas, mas relembra um momento que diz ter sido marcante para todo o grupo. “Só tivemos noção da dificuldade que os seguranças do clube estavam passando quando a porta se abriu e entrou um funcionário com o braço quebrado, uma fratura.”

Para finalizar, afirma que o time voltou a campo para jogar, sem ter noção real dos acontecimentos e admite que o desfecho não foi o ideal. “Voltamos e dentro do campo ficamos aguardando o retorno do adversário. Não sei precisar depois de quanto tempo, mas veio a informação de que o Tigre não voltaria e nós comemoramos o título, com merecimento. Ficamos um pouco frustrados, sim, porque o Morumbi estava muito bonito e achávamos que poderíamos ter um segundo tempo ainda melhor, com possibilidade de vitória elástica. Mas hoje está cravado nosso título e nos sentimos muito orgulhosos de ter esse currículo.”

Publicidade