Neymar tem chance derradeira para se eternizar — e calar os críticos
Camisa 10 chega à Copa do Catar em plena forma, livre da "Neymardependência" e utilizando as contestações como combustível extra
“Nessa temporada vai entrar tudo. É só chutar. Estou sentindo. Sabe quando a gente está com um feeling bom?”. Foi assim, durante uma live nas redes sociais ainda no início de preparação pelo PSG, que Neymar Jr. projetou o período mais importante de sua tão vencedora quanto conflituosa carreira. Aos 30 anos, o mais talentoso jogador brasileiro de sua geração quer provar que enfim amadureceu e que merece ser lembrado como um dos gigantes da bola — sentar-se à mesa de Pelé, Zico, Ronaldo e companhia, não só no que diz respeito a estatísticas, mas à intangível aura que acompanha os craques eternos. Ele sabe: para isso, precisa vencer a Copa do Mundo no Catar, que começa neste domingo, 20, às 13h (de Brasília), com a seleção anfitriã encarando o Equador, no estádio Al-Bayt, em Doha.
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Só assim, Neymar conseguirá deixar para trás as contestações que o perseguem desde os tempos de menino da Vila. As pechas não cessam: cai-cai, marrento, mercenário, bichado, até gordinho…. Neymar e seu estafe jamais lidaram bem com as críticas, que se intensificaram depois da venda do Barcelona para o PSG em 2017 pela quantia recorde de 222 milhões de euros. O camisa 10 não foge de uma boa confusão — até mesmo das eleições presidenciais mais tensas da história do país ele decidiu participar—, mas se sente profundamente injustiçado e usa as críticas como combustível. A notícia mais animadora para a torcida brasileira, no entanto, é esportiva: ele chega a este Mundial em ótima fase, 100% saudável, e com melhores companhias do que em 2014 e 2018.
Quem o acompanhou nos ultimo meses não tem dúvidas: seu foco é total na Copa do Mundo. Neymar colocou na cabeça que esse será seu último Mundial, a chance derradeira de eternizar seu nome com a Amarelinha, da qual já é o segundo maior artilheiro da história: tem 75 gols, dois a menos que Pelé. Por isso, toda a sua rotina nos últimos meses (treinos, horários, alimentação, tempo de jogo) foi voltada para chegar a este momento no ápice. O plano também passava por não mudar de time e se manter jogando com frequência no PSG. Em cinco anos na França, isso não havia acontecido: o atacante nunca fez mais de 31 jogos por temporada em razão dos problemas físicos e suspensões. O plano deu certo, e Neymar esta tinindo.
“O ambiente sempre foi muito legal, mas acho que essa seleção está mais preparada do que as outras para ganhar, pelos jogadores, pelo time, pelo nosso técnico, óbvio, por termos nos preparado muito bem para isso”, disse Neymar em entrevista recente ao canal “3 na Área”. “Como atleta, sem dúvidas esse é meu melhor momento, pela experiência, pela forma de jogar, por tudo. Me sinto mais preparado.”
Um imã de confusões – mas nem sempre
Em setembro de 2012, PLACAR causou enorme bafafá ao estampar Neymar crucificado com a seguinte provocação: “Chamado de cai-cai, o craque brasileiro vira bode expiatório em um esporte em que todos jogam sujo.” Os anos passaram e a joia do Santos assumiu cada vez mais um papel de celebridade, dando munição aos críticos. Tal qual a lenda do boxe Muhamad Ali, que em 1968 foi alvejado de todos os lados em uma histórica capa da revista Squire, é hoje a vítima preferencial das flechadas da opinião pública, fenômeno amplificado pelos haters e memes on-line. Em sua edição de agosto, PLACAR tratou desta questão, com uma releitura das flechadas de Ali.
Neymar tem constantes recaídas, mas bem que tentou fugir de algumas controvérsias este ano, especialmente no início da temporada, quando o PSG fez sondagens na janela de transferências procurando um possível comprador no restrito mercado de supertimes que poderiam arcar com este custo, mas sem sucesso. A chance de negociação esbarrou na vontade irredutível do jogador de permanecer, ao contrário de 2019, quando tentou forçar uma volta ao Barcelona. Além das dúvidas sobre o que Neymar projeta — em entrevista à DAZN, disse não saber se terá “condições de cabeça” de seguir “aguentando” o futebol depois de dezembro, mesmo tendo contrato até 2027 —, o PSG não queria repetir uma situação traumática. Em fevereiro de 2018, o atacante sofreu uma grave fissura no quinto metatarso do pé direito e, com previsão de três meses de recuperação, viu a Copa em risco. O clube não queria operá-lo, para contar com ele na reta final da temporada. Mas, priorizando se recuperar plenamente para o torneio na Rússia, Neymar impôs sua vontade e realizou a cirurgia com a equipe médica da CBF e não voltou a tempo de ajudar o PSG.
Mas para surpresa geral, o brasileiro se apresentou antes do previsto. Chegou cedo, saiu tarde, treinou faltas, levantou o astral do grupo…e voou em campo. Foram 15 gols e 12 assistências em 20 jogos pelo PSG até a pausa para a Copa, em plena sintonia com Lionel Messi e Kylian Mbappé (o último, aliás, parece ter herdado o posto de “garoto-problema” em Paris). Eis o novo Neymar, sabe-se lá até quando. Para render, ele precisa se sentir desafiado. Seu melhor momento foi em 2020, justo quando teve seu retorno ao Barça vetado, a contragosto. Foram suas atuações naquela Liga dos Campeões que motivaram o presidente do PSG, Nasser al-Khelaifi, a fazer os primeiros movimentos pela renovação contratual.
Sob o comando do novo técnico, Christophe Galtier, o camisa 10 atua cada vez mais como um armador, usando seu vasto repertório técnico. Os dribles e arrancadas têm dado lugar aos passes e à criatividade. Será mais arco do que flecha, afinal. O novo estilo, já visto também na seleção, provocou insinuações de que estivesse fora de forma, algo que o irritou bastante e que é negado categoricamente por seus funcionários. Em 2021, Neymar chegou a postar uma foto exibindo o “tanquinho” da barriga definida, com a cutucada: “gordinho bom de bola”.
Sempre elogiado na seleção por sua atitude de liderança e protagonismo, Neymar não é mais o principal jogador do PSG. Nas duas últimas temporadas, Mbappé jogou 34 jogos a mais que ele e fez quase o triplo de gols: 81 a 30. A renovação até 2025 do astro francês de 23 anos também pesou para que o clube tentasse se desfazer de Neymar. Apesar disso, e dos constantes rumores a respeito de uma rixa, pessoas próximas ao brasileiro garantem não haver nenhum problema com Mbappé, nem com nenhum outro colega. Até mesmo os argentinos do elenco nutrem excelente relação com o craque, em especial, é claro, o amigo Lionel Messi. “Quem o conhece de perto, o adora”, é uma reclamação constante de seu estafe — que, no entanto, não o ajuda a expandir essa boa fama aos menos chegados.
Recentemente, em uma grave recaída para quem tentava fugir de confusões, Neymar decidiu declarar seu apoio a Jair Bolsonaro, dias antes da derrota do candidato do PL para Luiz Inácio Lula da Silva (o petista, inclusive, fez questão de tirar uma onda com os enroscos fiscais da família Silva Santos). Nas eleições mais polarizadas de todos os tempos, o craque chamou para si a antipatia de milhões de brasileiros. Mas nem deu bola.
Um craque magoado
Se a taça da Copa virou obsessão, outro objeto dourado é motivo de mágoa, resignação e até teoria da conspiração. “O Ney desistiu da Bola de Ouro, percebeu que há um complô contra ele e se conformou com isso”, avaliou um amigo próximo, meses atrás. Desde que surgiu como promessa do Peixe, Neymar convive com a expectativa sobre se tornar o melhor do mundo. Logo em sua estreia na premiação, em 2011, foi 10º colocado. De tão convictos de que ele repetiria a façanha de Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e Kaká, seus agentes chegaram a incluir cláusulas contratuais sobre bônus em caso de Bola de Ouro. Mas, tal qual ocorreu com o ídolo de infância Robinho, o sonho terminou em frustração.
Em seu auge no Barça, ele chegou perto. Foi terceiro colocado em 2015 e 2017, sempre atrás de Messi e Cristiano Ronaldo, que se revezaram no topo. Em 2016, foi quarto e em 2013 quinto. Nos últimos anos, passou longe das primeiras posições. O rancor maior deu-se em 2020, quando brilhou na campanha do vice-campeonato da Champions. Por conta da pandemia, não houve premiação da France Football. Já no The Best, da Fifa, o brasileiro terminou na longínqua nona colocação, atrás de nomes como Mané, De Bruyne e Thiago Alcântara, na visão dos 577 votantes, capitães, técnicos de seleções e jornalistas. “Um absurdo”, na visão de seu estafe. Ao menos os bons companheiros Messi, Tite e Thiago Silva, além dos capitães de Paraguai e Coreia do Norte e dos treinadores de Gana e Guiana, votaram nele como número 1. “Na Europa, existe uma birra pelo fato de ele driblar, dar caneta, carretilha…” é o argumento usado por seus defensores. Soco em torcedor, brigas com rivais e ausência de gols decisivos são lembrados por seus críticos.
Convém ressaltar que na temporada em questão, mesmo tendo brilhado na reta final, Neymar fez só 31 jogos, 22 a menos que o vencedor, Lewandowski. Justa ou não, a percepção da antipatia o abalou, bem como as rixas que teve com duas gigantes, outrora parceiras: Nike e Globo. O craque era patrocinado pela marca americana desde os 13 anos, mas a relação terminou de forma abrupta em 2020. A explicação veio à tona no ano seguinte quando o Wall Street Journal revelou que uma ex-funcionária da Nike acusou Neymar de forçá-la a fazer sexo oral em um hotel de Nova York, em junho de 2016. A empresa teria aberto uma investigação e decidido rescindir o contrato alegando falta de cooperação de Neymar.
À época, o pai do atleta negou qualquer tipo de assédio sexual do filho e disse que a confusão se deu por reclamações sobre a qualidade da chuteira Mercurial, que seria a causadora de suas lesões, e também de desacertos financeiros. Já acertado com a Puma, Neymar admitiu sua ira. “Por Ironia do destino, continuarei a estampar no meu peito uma marca que me traiu. Essa é a vida!”, disse, citando o fato de a Nike vestir o PSG e a seleção. Ele ainda comparou as acusações às da modelo Najila Trindade, ocorridas em 2019. O caso foi arquivado, mas representou um duro golpe. O sentimento de injustiça foi maior pelo fato de a Nike não ter agido com rigidez semelhante com Cristiano Ronaldo, acusado de ter estuprado uma modelo americana em 2009, em Las Vegas, e de ter comprado seu silêncio. O caso foi esquecido, sem maiores transtornos ao português.
Com a Globo, o fim da relação também foi traumático e documentado. Eles mantiveram um contrato de exclusividade entre 2014 e 2016. O caldo começou a azedar durante a Olimpíada do Rio, quando o narrador Galvão Bueno fez duras críticas ao fato de o capitão do time ter ignorado a imprensa (algo corriqueiro) após tropeços nas primeiras partidas. Novamente, pai e filho se sentiram traídos. Herói da conquista no Maracanã, medalha de ouro no peito, “Juninho” repetiu um histórico desabafo de Zagallo: “vocês vão ter que me engolir”. Mais do que Galvão, quem realmente incomodava o atleta era o comentarista Walter Casagrande Jr. Em 2018, Casão chamou o chamou de “mimado”, e, em resposta, foi tratado como “abutre”. O repórter Mauro Naves, próximo da família do craque, era o responsável por tentar apagar o fogo. Ironicamente, ele acabaria demitido da Globo após 31 anos, por envolvimento no caso Najila (o jornalista teria intermediado o contato do pai de Neymar com um advogado da modelo, sem noticiar o caso).
Houve inúmeras tentativas frustradas de reaproximação. No ano passado, Galvão chamou Neymar de “idiota”, sem perceber que seu microfone estava ligado. A demissão de Casagrande, no mês passado, representou alívio no clã da Silva Santos. “Hoje a relação está melhor, quem incomodava não incomoda mais”, diz um membro do estafe. Casão mantém sua posição. “Critiquei o que merecia ser criticado. Ele é mimado mesmo”, crava. “As críticas a ele não são injustas, Neymar paga o preço por ter escolhido ser mais celebridade do que jogador e de ser debochado”.
Como era de se esperar, os gols e títulos rarearam em meio a tantas confusões. Até mesmo a relação com o pai estremeceu, como mostra a série O Caos Perfeito, da Netflix. A todo momento, o empresário se vangloria da “gestão” do talento do filho, enquanto a mãe Nadine e os populares “parças” aparecem como uma espécie de refúgio espiritual. Em uma cena emblemática, Neymar fica entendiado diante de uma apresentação de slides na qual o pai apresenta os planos para a empresa Neymar Sports Marketing (NR Sports). O atacante é tratado como principal “asset” (ativo, em inglês) e posterior “sucessor” do pai, algo que o herdeiro rejeita de cara. “Antigamente tínhamos uma relação mais de pai e filho, hoje acho que a gente se distanciou, é uma relação mais profissional”, diz. Na série, Neymar tenta passar a imagem de alguém despreocupado com a mídia. “F…-se o que vão pensar de mim”, diz. No entanto, não consegue esconder seu ressentimento com as críticas, a ponto de ter escolhido a recordada previsão do técnico Renê Simões, em 2010, sobre estarmos “criando um monstro”, para abrir a série: “Essa frase aí me f… para caramba!”, lamenta. De fato, doze anos depois, ela segue em pauta.
Tampouco ajudaram em nada as constantes idas e vindas com a atriz Bruna Marquezine, sua companheira nas duas últimas Copas. A agenda lotada de ambos e as constantes acusações de traição puseram fim ao namoro ioiô. Neymar começou o ano com outra bela morena, xará e parecidíssima com a ex: a empresária Bruna Biancardi, mas o namoro durou pouco. Seja como for (se em versão ‘low-profile ou badboy, Neymar inicia sua terceira e provável última Copa com pleno otimismo. O surgimento de outros atacantes talentosos, como Vinicius Junior e Raphinha, tirou dele o peso da “Neymardependência”. No entanto, tal qual ocorreu com o também trintão Pelé na Copa de 1970, será ele o responsável por reger uma afinada orquestra. Até mesmo seu mais célebre desafeto diz confiar na redenção do agora “adulto Ney”. “Fico feliz de ver que está se cuidando e acredito, sim, que ele pode brilhar e levar o Brasil ao hexa”, diz Casagrande.
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