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Opinião: há saída no labirinto em que a seleção se meteu

Vencer jogos é menos complexo do que limpar vícios de ofício e relações comerciais, políticas e individuais que vulgarizam o lugar onde deveria haver excelência e impessoalidade

Coluna publicada na edição 1514, de agosto de 2024

Quando Maestro Óscar Tabárez chegou à seleção uruguaia em 2006, encontrou um cenário devastador. Para se ter uma ideia, a Associação Uruguaia de Futebol nem sequer tinha os telefones dos seus atletas. Uma empresa terceirizada cuidava da comunicação com os jogadores, que, uma vez na seleção, se queixavam até dos colchões, muito finos. Os problemas eram inúmeros. O técnico tratou de arrumar, ponto por ponto, não só o time em campo, mas toda uma cultura na qual se baseia o futebol daquele país. Até a obrigação de dizer “bom dia” ao cruzar com alguém na convivência do CT estava na cartilha.

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A Argentina de 2018, farta de esperar um título, viveu, na Rússia, algo próximo do fundo do poço. A seleção tinha Messi, Di María, mas não tinha rumo. Jorge Sampaoli estava desmoralizado, os relatos indicavam que o elenco havia abandonado o técnico e, enquanto Maradona se divertia nos camarotes, o time argentino definhava dolorosamente. Acusações e insultos em público, desunião exposta, atuações péssimas e pouca perspectiva de um futuro vencedor nos poucos anos que sobravam para Messi com a ca
misa albiceleste.

Em qual medida essas duas histórias podem servir para o brasileiro ter alguma esperança de reviravolta no desolador estado atual de coisas? Exemplos ajudam e resultados sustentam. O Uruguai foi semifinalista da Copa em 2010, campeão continental em 2011 e pavimentou uma geração capaz de devolver a identificação máxima da Celeste. A Argentina não desperdiçou a final seguinte e, uma vez vencida a Copa América, montou um elenco que ama jogar junto e ganhou o mundo em 2022. O Brasil, hoje, pode não conseguir enxergar, mas está em um labirinto com saída. Há um caminho.

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Me parece que civilizar o ambiente da seleção brasileira é mais difícil do que ganhar a Copa do Mundo. Vencer três jogos duros em dez dias é menos complexo do que limpar tantos vícios de ofício e relações comerciais, políticas e individuais que vulgarizam o lugar esportivo onde deveria haver excelência e impessoalidade. A CBF presidida via liminar é mais fraca do que o pai de seu mais robusto jogador e não encontra aderência com a sua gente, que a associa a abandono e atraso, quando não a coisas piores, como assédio e censura – foi um dia desses, não no século retrasado, que Yan Couto revelou a proibição de usar cabelo colorido e irritou os dirigentes, que queriam ser autoritários em sigilo, não em público.

Há talento. Há identidade, seja em Vini Jr. e sua corajosa investida contra os racistas, seja no prodigioso Endrick e em tantos outros nomes que, jovens ou nem tanto, pleiteiam o coração do torcedor – Dibu Martínez e De Paul, por exemplo, viraram o que viraram em 2022 sem estarem no time em 2018. Mudar toda uma lista de hábitos e códigos passa por soar antipático e causar certos dissabores. A seleção há tempos adia dar o primeiro passo. Resistiu por meses a ter uma psicóloga (parte do elenco era contra!) enquanto dá acesso livre a empresários, influencers, pastores e lobistas em geral que mais atazanam do que protegem os jogadores. E eles, os jogadores, precisam de proteção.

Proteção real, conectada com o mundo, não essa proteção de inimigos imaginários e fantasmas midiáticos. Essa relação está em disputa e há quem capitalize com a vilanização do torcedor, de quem os jogadores deveriam ter medo. A seleção brasileira sabe o que acontece quando pisa no Norte e no Nordeste. Eles sabem como uma Copa mexe com o país. Os rapazes por quem queremos ser conquistados estão detrás dessa grossa cortina de interesses. Eles e nós, cada um de um lado da cortina, enxergam o outro meio deformado.

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Não contem comigo para colocar pregos no caixão. O Brasil não tem, como a Espanha, um modelo de jogo para praticar a longo prazo, nem um técnico que, “sozinho”, encontre o caminho da glória. O Brasil não tem uma porção de outras coisas e vive se esquivando de resolver de verdade os seus problemas. No entanto, nossos vizinhos mostraram que a história pode mudar em poucos anos.

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