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‘Sofri com o preconceito’, diz esgrimista que trocou a Itália pelo Brasil

Nathalie Moellhausen, de 33 anos, nasceu no país europeu, mas defende a bandeira brasileira a pedido da avó

Por Alexandre Senechal |
Nathalie, campeã mundial de esgrima: “Foi uma decisão de coração”

Nathalie, campeã mundial de esgrima: “Foi uma decisão de coração”

Nathalie Moellhausen nasceu em Milão, mora em Paris e defende as cores do Brasil nas competições de esgrima mundo afora. Não, a atleta de 33 anos não é mais um caso de estrangeiro naturalizado para ajudar o desenvolvimento do esporte — algo comum em várias modalidades. Ela é neta de brasileira e, depois de ganhar três medalhas em campeonatos mundiais na categoria espada pela Itália, resolveu atender um pedido da avó para defender a bandeira verde e amarela. A caminhada foi árdua. Antes de conquistar o primeiro ouro do Brasil em um Mundial no último dia 18, Nathalie sofreu com o preconceito por “estar roubando a vaga de outra brasileira”. No próximo dia 7, volta a competir pelo país nos Jogos Pan-Americanos de Lima. E quer mais medalhas.

Como você descreve sua relação com o Brasil? Minha avó materna é brasileira. Dona Marcela está com 84 anos e mora no Rio. Desde criança passo temporadas no país — a primeira foi quando tinha 8 anos. A Urca é meu lugar favorito no mundo inteiro. De tanto ela pedir, carinhosamente, que eu defendesse sua bandeira, resolvi aceitar.

E a Itália? Depois de ter ido para a Olimpíada de Londres como reserva da equipe italiana e ficar um ano parada, senti que tinha concluído uma etapa pelo país onde nasci. Sou uma pessoa que precisa de projetos ambiciosos. Minha vontade sempre foi expandir a esgrima pelo mundo, por outro continente. Como já tinha a nacionalidade brasileira, foi mais fácil. E a federação italiana não se opôs a me liberar.

Que tipo de dificuldade surge quando se muda de bandeira? De certa forma, sofri com o preconceito. As pessoas achavam que eu tinha trocado a Itália pelo Brasil para facilitar a minha classificação para a Rio-2016, já que o Brasil tinha a vaga direta por ser o país­­­­-sede. Disse ao meu treinador que só competiria se conseguisse entrar pelo ran­king. Consegui e fui até as quartas de final. Foi o melhor resultado olímpico da história do Brasil na esgrima. Hoje, com o título mundial inédito, dou uma resposta a quem questionou os motivos da minha escolha.

Não foi por dinheiro e fama, portanto? Nada disso. Foi realmente uma decisão de coração. Perdi muitas certezas que tinha na Itália, financeiras, inclusive. Realmente, eu me joguei no vazio ao optar por defender o Brasil. Por ter ficado um ano sem competir, não era mais ninguém na Itália e ainda não tinha uma reputação no Brasil. Essa sensação foi muito dura.

Você interrompeu sua carreira no ano passado. Por que decidiu voltar? Parei depois da morte de meu pai, o principal incentivador do meu sonho de ser campeã mundial. Ele me apoiou até quando eu quis sair de casa, aos 19 anos, para treinar na França. Meu treinador me convenceu de que deveria ir até o fim pela memória dele. Trabalhei como louca nos últimos sete meses, todos os dias. E a conquista veio, na espada.

Hoje você se sente brasileira? Eu me sinto assim desde os Jogos do Rio. Foi ali que o país me aceitou. Aquele foi um momento mágico, e a torcida foi incrível. As pessoas me paravam para pedir autógrafo. Ali senti que tinha sido adotada oficialmente.

 

Publicado em VEJA de 7 de agosto de 2019, edição nº 2646

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