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Para a geração de Neymar, jogar bola é um detalhe

Dinheiro, falta de profissionalismo, estrelismo e diversos outros interesses parecem desviar a atenção dos jogadores da atividade que os projetou

Por Luiz Felipe Castro |
Neymar

Neymar

Os dois fracassos consecutivos da seleção brasileira, na Copa do Mundo em casa e na Copa América do Chile, foram um forte choque de realidade para o futebol nacional e mostram que ocorreu uma perda de identidade da seleção, um grupo formado por atletas estabelecidos na Europa, no qual predomina a falta de genialidade. Hoje, a seleção tem a defesa como setor mais forte – mesmo depois do 7 a 1. O único sobrevivente com o DNA dos craques nacionais, Neymar, não conseguiu, claro, evitar os fiascos recentes, graças a dois males do futebol moderno: truculência dos defensores e o próprio estrelismo. Chateado, o atacante do Barcelona deixou a concentração para torrar parte de sua fortuna com os amigos que banca na Europa, chamados de “parças”, enquanto a Justiça espanhola investiga a procedência de uma parte dela. Não é justo, porém, condenar apenas Neymar pelos últimos vergonhosos resultados, pois ele é mais uma vítima de sua geração, formada por jogadores que vivem cada vez mais rodeados de empresários, patrocinadores, investidores, e sanguessugas profissionais, e entram numa roda-vida em que o ofício de jogar bola é apenas uma das inúmeras atividades de um atleta de ponta.

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Essa geração é também a do chileno Arturo Vidal, do uruguaio Luis Suárez e do italiano Mário Balotelli, entre outros jogadores mimados com incontestável talento e personalidade explosiva, geralmente causada pela frágil formação cultural e foco torto na profissão. Estes craques são o menor dos problemas, pois, apesar das pisadas na bola, conquistam títulos e prêmios individuais e aumentam os zeros em suas contas bancárias – e dos clubes também. O problema são os milhares de atletas que sonham em ser Neymar, mas não nasceram com a mesma intimidade com a bola. A eles resta copiar o ídolo no corte de cabelo, na cor da chuteira, nas tatuagens, na marra, nas expressões de boleiro e no sonho de jogar fora do Brasil – ainda que em países como China, Emirados Árabes ou Ucrânia. Um exemplo da seleção de Dunga: Roberto Firmino, jovem alagoano que se apresentou ao mundo jogando pelo modesto Hoffenheim, da Alemanha, sofreu várias mudanças desde que chegou à seleção. Encheu o corpo de brincos e tatuagens, turbinou o penteado, fechou contrato milionário com uma marca de material esportivo e postou, acidentalmente, uma foto de sua mulher nua nas redes sociais. Ainda durante a Copa américa, assinou com um dos maiores clubes da Europa, o Liverpool, por mais de 140 milhões de reais, a segunda maior contratação da história do clube. Sua trajetória lembra a de Dante, Hulk, Bernard, Douglas Costa, e outros que contribuíram para tornar a seleção cada vez mais comum nos últimos anos. São bons jogadores, mas não craques. E, mal assessorados, parece que mal se preocupam com o rendimento nos gramados.

Este quadro afeta, especialmente, jogadores de países sul-americanos e africanos. Ao analisar o perfil dos jogadores de países europeus, percebe-se maior grau de maturidade dos atletas. Quase todos falam mais de um idioma e raramente se envolvem em confusão. Além de melhor formação, atletas como Iker Casillas e Phillip Lahm, os últimos capitães a erguer a Copa do Mundo, vivem em seu continente, jogam por clubes pelos quais se identificam, têm a família e os amigos por perto, sem sofrer nenhum grave choque cultural. Mas, além disso, raramente viram notícia por seus cortes de cabelo ou mau comportamento. Na Copa, foi destaque a liberdade que os atletas holandeses tinham no Rio de Janeiro. Robben e seus companheiros passeavam pela cidade com as namoradas, tomavam cerveja nos bares, e voltavam para a concentração tranquilamente para treinar no dia seguinte. Será que este tipo de abertura funcionaria na seleção brasileira ou argentina? Outros aspectos também ajudam a entender a pasteurização do futebol brasileiro – treinadores e dirigentes malformados, assessores pendurados em pequenas mordomias e com momentos de fama terceirizada, além de uma boa parcela de culpa da imprensa, acentuadamente com viés de entretenimento, desde que valorize a grade de programação. Gol da Alemanha!

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Romário atuando pelo Barcelona em 1994 VEJA

​A Receita perdida – Romário, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho foram campeões do mundo, Bola de Ouro da Fifa e tiveram trajetória bastante semelhante: primeiro, brilharam em um grande clube brasileiro e chegaram à seleção. Em seguida, foram para a Europa, mas antes de se consagrarem, fizeram um vestibular em clubes como PSV, Paris Saint-Germain e Deportivo La Coruña. Só depois de um ou dois anos de adaptação ao futebol e à vida na Europa se consolidaram no Barcelona, o sonho de cinco entre dez garotos (os outros cinco sonham com o Real Madrid). Último brasileiro a receber o título de melhor do mundo, Kaká foi uma exceção: foi direto para o Milan, aos 21 anos, e imediatamente se tornou uma estrela. Mas já era campeão do mundo pela seleção quando ainda jogava no São Paulo. Sua história de vida e formação, bem diferentes da média do jogador brasileiro, também ajudam a entender a sua maturidade precoce.

Os craques da década passada também foram muito assediados, eram garotos-propaganda de grandes marcas e ganharam fortunas também fora dos gramados – apesar de Rivaldo, muito tímido, não ter sido exatamente um bom produto de marketing. Suas mulheres, penteados e cor das chuteiras também davam o que falar. Mas não existiam as redes sociais nem tantas mídias e compromissos e os jogadores eram menos suscetíveis a empresários, assessores e a um celular na mão de alguém por perto. O acesso às confusões em que Romário e Ronaldo Fenômeno se metiam era bem mais restrito. Respondiam dentro de campo com talento e personalidade.

Futebol bizarro

O esporte anda meio sem graça, ninguém deixa de comentar que o nível não é dos melhores nem há mais tantos craques ou times sensacionais. Por isso algumas opiniões e observações beiram o bizarro e alguns assuntos se tornam mais importantes do que a disputa de uma partida, como bate-bocas via internet..

– Ronaldo, Ronaldinho e Neymar já declararam diversas vezes que detestam assistir partidas de futebol na TV – o Fenômeno, entre outros trabalhos, é pago para analisar partidas como comentarista da Rede Globo

– Quando ainda era vice-presidente da CBF, Marco Polo Del Nero foi flagrado perguntando ao coordenador Gilmar Rinaldi quem eram alguns dos jogadores convocados por Dunga

– Na comemoração do título inglês do Chelsea, o espanhol Cesc Fàbregas brincou com a pronúncia do brasileiro Oscar: “Está há três anos aqui e ainda não aprendeu a falar inglês?!”

– Recentemente, o lateral Rafinha, do Bayern de Munique, teve uma conversa com amigos vazada na intenet, Nela, o jogador brasileiro criticou seus compatriotas do Shakhtar Donetsk, a quem se referiu como “molecada nojenta”, por não respeitar os adversários e pensarem demais em dinheiro. O Bayern eliminou o Shakhtar com uma goleada por 7 a 0

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