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Isso a Globo não mostra: a polêmica em torno do nome Red Bull Bragantino

Emissora “esconde” de suas transmissões a marca incorporada ao nome do clube paulista; entenda os critérios e efeitos desta prática no mercado no esporte

Por Luiz Felipe Castro |

A elite do futebol nacional tem um novo integrante: o Red Bull Bragantino, tradicional clube de Bragança Paulista (campeão paulista e vice do Brasileirão no início da década de 90), que voltou repaginado à Série A com um fundamental aporte da empresa austríaca de bebidas energéticas. Em 2020, a Red Bull, que assumiu a gestão do clube no ano anterior, alterou seu nome e escudo, uma medida que pode ter chocado os tradicionalistas, mas minimizada pela torcida local, satisfeita em ver a recuperação do time que não disputava a primeira divisão desde 1998. O nascimento da nova equipe reacendeu uma velha discussão envolvendo meios de comunicação, especialmente a Rede Globo, que insiste em ignorar o nome patrocinado, como já faz na Fórmula 1, no vôlei e até em relação aos estádios de futebol. A escolha editorial vai muito além de semântica ou do número de caracteres. É, em última instância, uma decisão mercadológica.

Assim como já fazia com o Red Bull Brasil, time de futebol que jogou a primeira divisão do Paulista, e a Red Bull Racing, equipe de automobilismo – chamados pela Globo de RB Brasil e RBR, respectivamente –, a emissora carioca segue boicotando o nome da marca de energéticos e trata o clube alvinegro – ou seria taurino? – como Bragantino em todas as suas plataformas (apenas o novo escudo da equipe no seu portal de notícias, o Globoesporte.com, é respeitado). A ideia por trás do suposto boicote é de que a citação do nome “completo” da equipe se trata de propaganda gratuita. Ou seja, uma marca que não está entre seus anunciantes apareceria em uma das mais cobiçadas vitrines publicitárias do país. Pelo mesmo motivo, o Allianz Parque virou a “Arena do Palmeiras” na transmissões da Globo, salvo “deslizes” de comentaristas e narradores. A escolha provocou uma resposta equivalente de muitos torcedores alviverdes, que nas redes sociais tratam a emissora como “RGT” (sigla para Rede Globo de Televisão).

Em entrevista a VEJA concedida no ano passado, o CEO do Red Bull Bragantino, Thiago Scuro, adotou um tom conciliatório e tratou o eventual veto como secundário. “Na minha visão, não atrapalha (ser chamado apenas de Bragantino). Nosso nome será Red Bull Bragantino e esperamos que sejamos tratados assim, mas não vejo isso como algo determinante. Vamos respeitar toda e qualquer regulamentação que for criada. A nossa percepção é que cada vez mais essa discussão tem amadurecido.”

A escolha da Globo é controversa, sobretudo no que diz respeito a seus critérios. Por exemplo, as equipes de Fórmula 1 Ferrari, Mercedes e McLaren, que são homônimas às marcas de automóveis, têm seus nomes chamados nas transmissões, enquanto a Red Bull é anunciada com uma sigla inventada. Procurada por VEJA para explicar seus critérios, a Globo se limitou a dizer que “não está prevista qualquer mudança na maneira como são nominadas as equipes nas transmissões e coberturas.”

Existem situações em que a própria emissora acaba traída por esse tipo de imposição autoritária. Nas competições organizadas pela Fifa, por exemplo, a Globo passou a exibir nos últimos anos a vinheta original do torneio ao início e término de cada partida, algo que certamente é uma exigência contratual da entidade máxima do futebol ao vender os direitos de transmissão para a TV. O que passa quase despercebido é a exposição de uma marca anunciante da Fifa embutida no clipe de abertura e encerramento. E de uma marca que não necessariamente figura entre os anunciantes do canal. Sobre essa questão, a Globo não se pronunciou até o momento.

O “boicote” tira dinheiro do esporte? – Outro importante ponto é o quanto a decisão da Globo, a principal plataforma esportiva do Brasil, afugenta possíveis investidores do esporte. O presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, aponta o veto como um dos principais fatores para que o clube de maior torcida do Sudeste ainda não tenha conseguido um acordo de naming rights para sua arena. Em esportes menos populares e economicamente sustentáveis, como vôlei e futsal, as reclamações são mais frequentes.

“Este é um assunto contraditório no mercado brasileiro. Ao mesmo tempo em que cobramos profissionalismo e austeridade nas gestões esportivas para ampliarmos o faturamento, não pronunciamos o nome das marcas que realizam os maiores investimentos esportivos do país”, afirma Felipe Drommond, presidente do Magnus Sorocaba, time de futsal que tem o ex-craque Falcão como embaixador e tratado pela Globo apenas pelo nome da cidade.

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“Nesta guerra todos perdem: marcas, veículos e o esporte em geral. Precisamos pensar o esporte como um grande espetáculo de entretenimento, gerador de negócios; e, construir grandes marcas através da exposição midiática que proporcionamos é a melhor solução para atrairmos cada vez mais investidores”, completa Drommond, que também é CEO da TFW, uma empresa de marketing esportivo.

O consultor de gestão e marketing esportivo José Carlos Brunoro, que foi jogador de vôlei e executivo do Palmeiras e de diversos esportes, considera que as marcas deveriam buscar outras formas de exposição . “No futebol, o problema é menor, pois a exposição e audiência é muito superior. Em esportes olímpicos, há mais dificuldade, mas há como buscar um trabalho de marketing compensatório, com exposição na camisa, em placas de publicidade, entrevistas…”

Brunoro considera que “o jogo já está claro há muito tempo” e lembrou que, quando foi idealizador do projeto de futebol do Grupo Pão de Açúcar, no início dos anos 2000, decidiu mudar o nome da equipe para Audax por saber que a Globo não citaria a marca de supermercados – antes da mudança, o time era chamado de “Paec” (acrônimo do nome do time), apesar de se tratar de um de seus anunciantes, para não abrir precedentes. “Não adianta demonizar à Globo por essa prática, que é tomada em respeito a seus anunciantes. Há parceiros que pagam até 700 milhões de reais por ano para anunciar na emissora e não querem ver uma possível concorrente sendo citada de graça”, explica.

“Esse tema merece uma discussão mais profunda, porque nós temos aqui a mania de achar que os esportes olímpicos têm de estar no canal aberto e isso é inviável, porque as audiências são muito baixas. Não dá para ir só pelo lado emocional de dizer que ‘a TV não está ajudando o esporte’. Há uma negociação e é preciso discutir outros modelos de exposição de marca.”

Na Europa, os vetos também acontecem – A decisão de esconder as marcas não é exclusividade da Globo. Na verdade, fora do Brasil a prerrogativa mercadológica dos organizadores e transmissores oficiais dos eventos é ainda mais incisiva. Nas competições da Uefa, entre elas a badaladíssima Liga dos Campeões da Europa, os estádios com naming rights comercializados ganham alcunhas completamente fictícias – Allianz Arena, do Bayern, vira Football Arena Munich, e o Emirates Stadium é chamado de Arsenal Stadium, por exemplo.

O boicote da Uefa aos times do Red Bull é ainda maior e consta no regulamento. O artigo 5, referente à “integridade da competição”, prevê que nenhuma companhia pode ter “influência decisiva” em mais de duas equipes participantes de seus torneios. Com a presença constante de Red Bull Salzburg, da Áustria, e RBLeipzig, da Alemanha, nas competições europeias, a empresa encontrou uma forma de “driblar” as normas da Uefa. Para isso, têm de se sujeitar a algumas alterações.

A empresa de energéticos consta como mera patrocinadora do time de Salzburg que, para disputar a Liga dos Campeões e a Liga Europa, têm de alterar seu patrocínio (os gigantes touros vermelhos na camisa dão lugar ao nome da marca escrito por extenso), seu nome (passa a ser FC Salzburg) e até seu escudo. O RB Leipzig, por sua vez, nem sequer carrega o nome da marca – chama-se RasenBalllSport Leipzig, pois a Associação Alemã proíbe que o patrocinador faça parte da identidade de um clube, a menos que a empresa seja dona do clube há mais de 20 anos, como ocorre com o Bayer Leverkusen, gerido pela indústria farmacêutica. Na Champions, o time está autorizado a manter sua identidade visual, mas também tem o nome da marca excluído das transmissões, como ocorre no modelo da Globo.

Com devidas adaptações, Leipzig e Salzburg se enfrentaram pela Liga Europa de 2018 Alexander Hassenstein/Getty Images

 

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