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Amarelo desbotado: seleção brasileira perde o protagonismo do passado

Ganhar ou ficar com o vice-campeonato da Copa América é irrelevante. Com exceção da constatação de que dá para vencer sem Neymar, sobra pouco a comemorar

Por Alexandre Senechal |

ELE DESTOA – Aos 36 anos, Daniel Alves ainda é a referência na lateral direita: a reposição de craques estacionou no país

É um fato: ganhar da Argentina é sempre bom. Pouco adianta argumentar sobre a fase ruim da seleção adversária — ora, eles tinham Messi em campo. O sabor do 2 a 0 na semifinal da Copa América, no Mineirão, é ainda maior por estender em pelo menos um ano — já são 26 — o jejum de taças dos valorosos vizinhos. É bem possível que o Brasil vença o Peru, a quem goleou por 5 a 0 na primeira fase, neste domingo 7, no Maracanã, e vai ter festa. Veremos na internet uma profusão de mea-culpa (“Tite? Nunca critiquei”). Cabe, porém, um incômodo alerta: houve comemoração idêntica na conquista da Copa das Confederações de 2013, depois de um contundente 3 a 0 sobre a Espanha, então campeã europeia e mundial. No ano seguinte, veio o infame 7 a 1 contra a Alemanha, no momento mais baixo de toda a história da camisa amarela, inapelavelmente desbotada.

Fora a euforia momentânea, de que vale mesmo erguer a taça de melhor seleção da parte sul do continente? Com exceção da constatação de que dá para vencer sem Neymar, sobra pouco a comemorar. A realidade é que a vitória em um torneio tecnicamente questionável expõe as fraquezas do futebol brasileiro. “Estamos produzindo menos craques”, disse Tostão, tricampeão mundial com a brilhante seleção de 1970 e exímio cronista esportivo, em entrevista a VEJA. “Faltam jogadores excepcionais, principalmente do meio para a frente. Com exceção de Neymar, nossos jogadores de ataque não estão entre os melhores do mundo.” O protagonismo que historicamente esteve com aqueles que criavam jogadas e marcavam os gols está hoje nos pés (e nas mãos) dos brasileiros cuja tarefa é impedi-los. É o caso de Alisson, o goleiro que até a final não foi vazado uma vez sequer, da dupla de zaga Thiago Silva e Marquinhos e dos volantes Casemiro, Arthur e Fernandinho, homens imprescindíveis para Tite.

A falta de brilho da atual geração de atacantes brasileiros fica evidente quando se lembra a dificuldade do escrete para se impor diante de fregueses de longa data: Venezuela e Paraguai. E não vale culpar apenas as retrancas (elas sempre estiveram aí), tampouco os gramados ruins (isso nunca foi problema para Pelé, Romário, Zico ou Ronaldo). A seleção brasileira, que já foi sinônimo de excelência, hoje é uma equipe regular. Competitiva, claro, porém sem alcançar o patamar dos tempos áureos. E não se trata de uma crítica ao trabalho de Tite à frente da equipe. É verdade, há quem prefira trocar seu estilo professoral pela marra debochada de Renato Gaúcho, para citar apenas um nome alternativo. Mas, do grupo de 23 convocados pelo treinador que caiu nas quartas da Copa da Rússia, é difícil contestar mais do que uma ou duas escolhas. O problema é estrutural.

“O problema decorre da pressa em formar jogadores, em grande quantidade, para tão logo exportá-los”, reforça Tostão. “Não há o cuidado com a formação de jogadores especiais.” E ele não é a única voz a criticar o modelo vigente. “As categorias de base hoje têm o mesmo objetivo dos times principais: vencer campeonatos”, afirma Alex, ex-jogador de Palmeiras e Cruzeiro e no momento comentarista dos canais ESPN. “É mais fácil vencer com um elenco de garotos fortes, independentemente de serem os mais talentosos. Um craque como o Zico hoje teria dificuldade para encontrar uma equipe para jogar. Diriam que ele é baixo, fisicamente fraco e que não suportaria enfrentar meninos maiores.” Se no passado recente os talentos precoces eram tratados como joias, agora são commodities. Como bem lembrou Tostão, o Brasil é o país que mais jogadores tinha na disputa da última edição da Liga dos Campeões da Uefa. Mas, novamente, tirando o camisa 10 do Paris Saint-Germain, é difícil apontar um brasileiro que seja a referência central de seu time.

Outra mudança significativa é que o futebol bem jogado, vistoso aos olhos dos espectadores, não é mais disputado nas competições de seleções. A excelência do esporte está, hoje, na disputa entre clubes europeus. Apesar da tentativa da Confederação Sul-Americana de Futebol de dar lustro à atual edição da Copa América, como se fosse um grande torneio na Europa, ela foi decepcionante em termos da qualidade do espetáculo — três das quatro partidas da fase de quartas de final terminaram em empate sem gols, sendo decididas nos pênaltis. Fica difícil convencer as novas gerações a encantar-se com a camisa amarela quando os verdadeiros craques vestem outras cores.

Publicado em VEJA de 10 de julho de 2019, edição nº 2642

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