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Quando vestir a camisa do rival não era problema

Em 1972, PLACAR vestiu craques como Rivellino, Jairzinho, Garrincha e Paulo Cezar Caju com o uniforme dos adversários — nunca inimigos

Por Luiz Felipe Castro |
Capa de PLACAR de 1972
Garrincha com a camisa do Fluminense? Em 1972, isso aconteceu graças a PLACAR

O futebol brasileiro foi impactado nesta semana por um episódio da mais pura intolerância. Bruno do Nascimento, um torcedor do Santos de apenas nove anos, pediu e recebeu de presente uma camisa do goleiro palmeirense Jaílson, após derrota do seu time do coração em clássico na Vila Belmiro. Em seguida, Bruninho foi hostilizado por parte da torcida santista e, diante dos ataques nas redes sociais, se viu coagido a se desculpar pelo ocorrido. O garoto recebeu o devido apoio do Santos e também de ídolos como Neymar e Pelé, o que ajudou a amenizar um trauma desnecessário. Houve um tempo em que admirar um rival e eventualmente vestir sua camisa não era problema. PLACAR foi protagonista deste momento.

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Na década de 1970, os maiores craques do futebol brasileiro construíam sua carreira atuando (quase) exclusivamente por um clube, mas não tinham receio de se expor a torcedores e companheiros de outros times. Mais do que isso, topavam até trocar de camisa, sem medo de patrulhas ou de perseguições por parte de torcedores e dirigentes. Em 1972, PLACAR deu duas capas seguidas com fotos de grandes ídolos posando lado a lado com os adversários. Na edição de 3 de março, aparecem, numa arquibancada do Maracanã, nada menos que Jairzinho, o Furacão da Copa, atacante do Botafogo; Paulo Cezar, o Caju, nosso colunista e então ponta do Flamengo; Marco Antônio, lateral – esquerdo do Fluminense; Jorge Mendonça, então despontando para o futebol pelo Bangu; Garrincha (sim, ele mesmo, o genial craque das pernas tortas), já no final da carreira no Olaria; e Edu, irmão de Zico e o maior destaque do America.

Nas páginas internas, a grande surpresa, explicada de forma singela na legenda de uma das fotos: “Garrincha obrigou os cobras que PLACAR havia reunido a trocarem suas camisas. E ficou gozando Edu, que sumia dentro de qualquer uma, ou colocando à vontade o novato Jorge Mendonça”. Logo abaixo, a imagem surpreendente: Marco Antônio com a camisa do Flamengo, Caju com a do Bangu, Jorge Mendonça com a do America, Jairzinho com a do Olaria, Garrincha com a do Fluminense e Edu com a do Botafogo. A revista ainda reforçou o espírito alegre da sessão de fotos ao escrever que “Mané Garrincha voltou com dignidade. Sem o gênio do passado, mas brincalhão e descontraído como sempre”.

Apenas uma semana depois, na edição de 10 de março, cinco craques dos “grandes” de São Paulo foram levados ao estúdio: Forlán, lateral-direito uruguaio do São Paulo; Luís Pereira, zagueiro do Palmeiras; Marinho Peres, que seria seu parceiro de zaga na seleção na Copa de 1974, da Portuguesa; Clodoaldo, o centromédio tricampeão em 1970, do Santos; e Rivellino, o eterno camisa 10 do Corinthians. Nas páginas internas, eles não chegam a trocar de uniforme, mas aparecem posando, um a um, com faixas de Campeão Paulista de 1972 (o torneio estava apenas começando). Hoje, quem teria coragem para brincadeiras desse quilate?

Rivelino (então com um L só) com a camisa do Flamengo e Jairzinho com a do Corinthians

Um mês depois, PLACAR fez uma pesquisa para saber quem eram os craques mais desejados pelas torcidas dos principais clubes cariocas e paulistas. E a brincadeira das camisas se repetiu. Rivellino era o “sonho de consumo” dos entrevistados de todos os times do Rio — e topou posar para as lentes de Manoel Motta com os mantos de Fluminense, Vasco, América, Botafogo e Flamengo, sempre com seu sorriso característico.

Jairzinho, craque botafoguense, fez o mesmo diante da câmera de Sebastião Moreira e saiu nas páginas da revista vestido com as cores de Palmeiras, São Paulo, Portuguesa, Santos e Corinthians. Na capa, a imagem do Rivellino rubro-negro com a frase “O paulista que os cariocas querem” e do Jairzinho alvinegro com “O carioca que os paulistas querem”. Era desprendimento quase ingênuo, hoje atropelado pelas pressões dos negócios e pelos cuidados — muitas vezes exagerados — que cercam milionários jogadores de futebol. Algo que Bruninho, com sua pureza e amor incondicional pelo esporte, e não apenas por um clube, compreende bem.

Rivellino e Jarzinho com as camisas de adversários, em 1972
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