Placar

As dinastias federativas

Atordoado pelo destino dos estaduais, Cronista vai a jogo inaugural do primeiro Cariocão, em 1906, e faz alertas sobre erros no comando paroquial do Futebol

Por Claudio Henrique Agá (@comentaristadofuturo) |
Time do Fluminense de 1906 -

Time do Fluminense de 1906 -

Nenhum de vocês, queridos leitores e queridas leitoras de 1906, ainda estudaram, e sequer poderiam, os fatos e a violência que se darão dentro de 11 anos, na União Soviética, ou seja lá qual for o nome que essa região do nosso Planeta tenha hoje, pois serão muitos até 2023, de ‘quando’ venho. Sim, sou um Viajante do Tempo, que retrocedi mais de um século para testemunhar a acachapante goleada do Fluminense Football Club sobre o Paysandu-RJ, um dos seis clubes que este ano disputam aquele que será tido como o primeiro campeonato estadual do país, organizado pela Liga Metropolitana, ou algo assim, pois até 2023 serão muitos também os nomes da organização que agregará, em tese, os anseios dos clubes do Rio. ‘Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro’, ou ‘FERJ’, assim se autoproclamará a entidade que daqui 116 anos deterá o comando do esporte no estado da Guanabara – e, a partir dos anos 70, do Estado do Rio, pois (alerta de ‘spoiler’!) dar-se-á fusão. Serão décadas de emoção indescritíveis, com heróis de nomes improváveis e deliciosos, como ‘Zico’, ‘Garrincha’, ‘Riva’ e ‘Dinamite’, personagens ímpares, como um ‘Casal20’ e um ‘Túlio Maravilha’ … Um ‘Queixada’! Tantos virão… Mas chegaremos a 2023, sinto informar, às vésperas de um ‘Estadual’ náufrago, agarrado às últimas boias que o manterão respirando antes do afogamento fatal. Pra vocês terem uma ideia, em 2023 o Botafogo, clube incrustrado na Enseada dos novos bairros por onde agora se esparrama o Distrito Federal, renegará o torneio, preferindo escalar aspirantes e levar o escrete principal a uma excursão pelos Estados Unidos (sim, haverá futebol por lá…). ‘O Triste Fim de Policarpo Quaresma’ … (Desde já, minha deixa ou sugestão de título para algum futuro romance parido por qualquer genial escritor nascido na Bahia!)

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Legislações hercúleas, ameaças e outros acertos menos conhecidos levarão o alvinegro clube da Estrela Solitária a rever seu planejamento estratégico, mesmo tendo ele já, pasmem, se tornado, em 2022, uma ‘SAF’, espécie ‘Sociedade Anônima da Bola’, ainda então detentora de crédito na mídia e torcida, tamanho fracasso do modelo anterior, o ‘anarquismo’ blindado no gerenciamento de clubes de Futebol.

E aqui cabe a revelação de cunho pessoal: por volta de 2013 ou 2014, já militando na ‘paixão nacional’ dos gramados, tive, ou melhor, terei uma das mais impactantes experiências como repórter, ao comparecer a uma reunião marcada com um (então) futuro presidente da FERJ. Ao adentrar a hiper-megablaster-ultra-super-luxuosa sede da Federação de Futebol do Rio, tataraneta desta Liga Metropolitana por trás do torneio que ontem teve início, desabou, retificando, desabará sobre mim, com clareza, o ‘Canyon’ entre a elite dinástica da ‘mesa diretora’ estadual e a realidade das tantas e paupérrimas agremiações futebolística no doravante Estado do Rio.

A cada luxuoso e cafona sofá que avistarei na visita, confesso, pensarei em como seriam (ou serão, em 2023) as instalações sociais de cada sincero ajuntamento cívico-esportivo pela prática do esporte. As salas da Presidência do Sampaio Correia, por exemplo, que na terceira década do Século 21 ocupará a honrosa posição de último colocado no ranking da FERJ. Acreditem… Vai dar nisso! Mas longe de mim incentivar reação semelhante à que todos vocês testemunharão na Rússia em 1917. Umas das coisas positivas de 2023 será ter, após atos bárbaros no futuro novo Distrito Federal do Brasil, no Centro-Oeste (Juro! Vão afastar e esconder os poderes lá!), a absoluta certeza de que violência e destempero não são caminhos políticos que nós, brasileiros, queremos. E viva o Futebol! Mas aquele jogado limpo, ‘na bola’…

Voltando aos torneios estaduais, iniciados ontem, sinto informar que, minutos antes do embarque ao passado, conferi a tabela do dito ‘Primeiro Turno’ do campeonato Carioca de 2023, a combalida e detonada ‘Taça Guanabara’. E constatei que nenhuma das partidas válidas pelo certame com a participação dos quatro futuros grandes clubes do Rio – Fluminense, Botafogo, Vasco e Flamengo – será disputada em algum estádio do interior do Estado. Zero! Nenhum jogo com os ‘Quatro Grandes’ na Região Serrana, na Região dos Lagos, nada… O único certame inicialmente programado para o campo do Boavista – emergente força interiorana de Bacaxá, futuro distrito de Saquarema – terá o local alterado para… Brasília!!!! Sim, vocês ainda nem conhecem, mas o novo endereço da capital de nossa nação, a conferir. Desculpem, é tanto que inventam, fia cada vez mais difícil explicar…

Escalação de 1906, com Horácio Costa Santos em destaque –

O primeiro ‘Cariocão’ terá o Fluminense como grande Campeão, e um de seus atletas, Horácio Costa Santos, autor de 3 dos 8 gols de ontem, artilheiro. Mas seu mérito maior foi e sempre será ter assinalado o primeiro tento num campeonato de Futebol no Rio. Indiscutivelmente, um dos primeiros dos muitos feitos pioneiros que o clube das Laranjeiras assinará na História. No mais, anotem: em 2023, teremos no Rio um campeonato estadual organizado e dirigido por uma entidade filha da ’Liga’, a FERJ, que aparentemente estará desconectada de suas raízes. E que ao invés de valorizar suas ‘forças’ (suas ‘histórias’!), vai preferir lançar mão de forças e regras pouco democráticas ao obrigar os clubes a seguirem suas necessidades, mantendo-se na disputa. Mas será esse o caminho sustentável?

No futuro, minhas lembranças juvenis serão de ‘figuras’ curiosas, certos ‘Otávios’ (Nota da Redação da Placar em 2022: Otávio Pinto Guimarães, presidente da FERJ de 1967 a 1985, por 18 anos) e ‘Caixa D’águas’ (Nota da Redação da Placar em 2022: apelido de Eduardo Vianna, presidente da FERJ de 1984 até sua morte, em 2006). Sempre em imagens circulando pelo ‘Globo Esporte’ (futuro programa de TV, outra inovação que me abstenho de explicar), entre ambientes de pouca luz e muitas divisórias daquelas temporárias. Não foi essa a Federação que vou conhecer nas poucas (e desconfortáveis) visitas que lá farei no Século 21. Mas paremos por aqui. Os demais estaduais do país? Ainda têm bola pra rolar nessas resenhas futurísticas. Aguardem… No futebol, como na vida, o Tempo tudo esclarece.

PARA VER MOMENTOS DOS JOGOS DA FINAL DO CARIOCA DE 2022

FICHA TÉCNICA
FLUMINENSE 7 X 1 PAYSANDU-RJ

Competição: Campeonato Carioca de 1906 (Primeira edição da competição)
Data: 3 de Maio de 1906 (quinta-feira)
Local: Campo da Rua Guanabara, no Rio de Janeiro
Público: 1.000 (hum mil) espectadores (estimados)
Renda: registros não encontrados
Árbitro: Francis Moreton

FLUMINENSE: Francis Walter; Victor Etchegaray, Salmond, Max Naegely, Buchan, Edgard Gulden, Duque Estrada, Horácio Costa Santos, Edwin Cox, Emile Etchegaray e Félix Frias. Técnico: Ground Commitee

PAYSANDU-RJ: Freeland; W Murray e Jack Robinson; H. Freeland, H. Wood e E. Pullen; C. Robinson, C. Hargreaves Cruckshank, G. H. Pullen e J. Hampshire.

Gols: Pelo Fluminense: Horácio Costa Santos (3), Edwin Cox, Emile Etchegaray(2) e um Contra; Pelo Paysandu RJ: C. Hargreaves (1)

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