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Olhar tático e técnico: os grandes erros na crise da Era Dorival

Em quinto nas Eliminatórias, seleção brasileira encara problemas de liderança, nas laterais e no ataque, sumiço de Vinicius Jr. e outros reflexos do abandono da gestão de Ednaldo Rodrigues

Por Guilherme Azevedo |
Danilo, capitão da seleção brasileira - Rafael Ribeiro / CBF

Danilo, capitão da seleção brasileira - Rafael Ribeiro / CBF

A derrota do Brasil para o Paraguai, na última terça-feira, 10, no Estádio Defensores del Chaco, em Assunção, expôs ainda mais a profunda crise da seleção brasileira. Ainda que muitos considerem esta uma uma atuação “para esquecer”, convém fazer o oposto: rever, refletir analisar cada problema com atenção.

Os 90 minutos na capital paraguaia foram o retrato perfeito de um futebol que definha. Confuso, inseguro e nada agressivo, o time comandado por Dorival Júnior fez jus à queda de rendimento progressiva após os dois primeiros amistosos.

No fim das contas, a vitória sobre a Inglaterra e o empate com a Espanha foram enganosos. E a sequência não deixa mentir, visto que o futebol caiu de nível com o período de treinamento para a Copa América, piorou durante a competição e chegou à sua pior fase no 10° jogo do trabalho. Confira os pecados do time:

Rigidez tática

Treinador de bons trabalhos recentes em São Paulo e Flamengo, Dorival não consegue replicar seu modelo na seleção. Não apenas o rendimento é diferente, mas também o modelo, visto que se destacou com ataques mais móveis nos clubes, enquanto apresenta um Brasil rígido, até na vitória sobre o Equador, na última sexta-feira, 6.

Mapa de posicionamento médio do Brasil em vitória contra o Equador constata rigidez – Sofascore

O técnico vem escalando a equipe com quatro defensores, três meio-campistas e três atacantes. Ainda que algumas mudanças em peças sejam executadas (como a utilização ou não de um centroavante), o 4-4-3-3.

A grande questão, no entanto, não está na formação, mas sim na forma de atacar. Faltam ultrapassagens pelos lados, apoios no meio-campo e utilização coerente de sua principal peça: Vinicius Júnior.

Cadê o Vini do Real Madrid?

“Os jogos na Europa são mais rápidos do que aqui. A bola chega mais rápido por conta do campo, temos que nos adaptar para jogarmos da melhor maneira para ganharmos os jogos”. Foi assim que Vini justificou a diferença entre seu rendimento pelo Real Madrid e pela seleção.

Porém, outros pontos também precisam entrar na balança. Desde que passou a brilhar na Espanha, especialmente sob comando de Carlo Ancelotti, Vinicius não é escalado “na esquerda”, mas sim “da esquerda”, como mostra o mapa de calor Sofascore de sua última La Liga.

Em La Liga 2023/24, Vinicius Júnior teve mais liberdade no ataque – Sofascore

A diferença, que pode parecer sutil, é gritante. Enquanto no Real o brasileiro alterna entre ponta e atacante, com liberdade para partir dos lados para o centro, atacando o espaço, conduzindo ou dando apoio, na seleção ele é um extremo.

Nessa função, suas atuações de fato não são boas. Contra a seleção equatoriana e a paraguaia, ele tentou perdeu a posse da bola 31 vezes, enquanto venceu apenas quatro de 12 duelos no chão. Além de uma clara queda técnica, os números também passam por ele estar colado à linha em muitos momentos, o que vai ao encontro de outro ponto negativo: a utilização dos laterais.

Utilização dos laterais

Lembrar de Nilton Santos, Roberto Carlos, Júnior, Cafu, Leandro, Jorginho e outros pode deprimir mais o torcedor da seleção brasileira. E não é segredo para ninguém que, atualmente, o nível não é comparável ao desses craques de antigamente.

Ainda assim, o rendimento na posição poderia – e deveria – ser melhor. Por características, Guilherme Arana é o mais agudo entre os convocados e rende no Atlético Mineiro com boas chegadas, sendo o mais aberto pelo lado esquerdo.

Já no time de Dorival, o lateral apareceu muitas vezes numa linha mais próxima ao centro. Além de não ter realizado muitas ultrapassagens, o que minou a fluidez pelo setor. Na imagem abaixo, é possível ver Arana (destacado em azul) por dentro, enquanto Vini (destacado em amarelo) dá amplitude.

Guilherme Arana, destacado em azul, e Vini, destacado em amarelo, não deram mobilidade ao lado esquerdo – Montagem sobre TV Globo

Enquanto Arana não teve suas características potencializadas na esquerda, o lado direito parecia abandonado. Contra o Equador, Luiz Henrique, ponta do lado, se via sozinho em marcações dobradas constantes, enquanto contra o Paraguai, com Rodrygo de titular, o espaço ficou ainda menos agressivo, o que passa pela utilização de Danilo.

Danilo, improvisado como lateral e capitão

Desde o fim da Copa do Mundo de 2018, a direita defensiva do Brasil tem um dono. Jogador de muita consistência defensiva, boa noção de construção sobre pressão e preenchimento de espaços, Danilo foi titular na direita no último ciclo de Tite – e se manteve após o Mundial de 2022.

O problema central, contudo, é que sua utilização como lateral-direito tem se tornado cada vez mais restrita à seleção brasileira. Jogador da Juventus, ele atuou boa parte da temporada 2023/24 como zagueiro pelo lado esquerdo.

Theo Bez e Danilo (no campo) discutem após o empate sem gols do Brasil na estreia da Copa América – @canaldegira/Instagram

Ou seja, além de estar atuando improvisado, também aparece do outro lado do campo em que se habituou recentemente. Como resultado, a direita se tornou nada agressiva, especialmente quando Rodrygo, escalado da direita para flutuar, deixou o espaço vazio para um ataque de Danilo – que não aconteceu.

A titularidade do jogador, mesmo assim, parece ser incontestável. Isso, pois, assumiu o papel de capitão da reestruturação, mesmo com papéis controversos para um líder, como nas declarações contra o trabalho de Fernando Diniz ainda durante a passagem do técnico e na discussão com torcedores após um empate nada inspirado na estreia da Copa América.

A bagunça de Ednaldo

A fase crítica acabou sendo reverberada em muitos nomes que, sim, têm parcelas de culpa, mas não estão no topo de uma entidade que exala desorganização. Por isso, é sempre importante elencar questões e colocar Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, como um grande responsável pelo momento.

Desde que o dirigente assumiu o comando da confederação que comanda o futebol nacional, a lista de fracassos é extensa. Apenas depois da Copa do Mundo de 2022, Ednaldo deixou a seleção brasileira sem um técnico efetivo por mais de um ano, com a ilusão de um acerto com Carlo Ancelotti.

Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF – Rafael Ribeiro / CBF

E, nesse meio tempo, as soluções foram apontar Ramon Menezes, técnico que sequer justifica o trabalho nas categorias de base, e Fernando Diniz, que dividiu funções com seu cargo no Fluminense, para as posições de interino. Decisões que atrasaram em dois anos o desenvolvimento do ciclo para o Mundial de 2026. Depois, um dia após retornar de um processo de impeachment, Ednaldo resolveu se apressar na contratação de Dorival Júnior, que agora surge como escudo para o cartola.

Como reflexo, a bagunça tomou conta e o Brasil corre, sim, riscos de ficar fora de uma Copa do Mundo pela primeira vez na história. Fato inédito que não seria injusto para uma CBF que, além de não ter linha de trabalho no futebol, sequer consegue manter no ar o seu site oficial.

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