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Barcelona e Juventus fazem a final dos reencontros, despedidas e recordes

Com duelo entre o talento de Messi e Neymar e a experiência de Buffon e Pirlo, o Estádio Olímpico de Berlim recebe uma partida mais do que especial

Por Giancarlo Lepiani, de Berlim |
Neymar, Messi, Piqué e Mascherano se divertem em treino do Barcelona antes da final da Liga dos Campeões

Neymar, Messi, Piqué e Mascherano se divertem em treino do Barcelona antes da final da Liga dos Campeões

A decisão da Liga dos Campeões é um fenômeno admirável: apesar de se repetir a cada final de temporada do futebol europeu, a partida desperta repercussão e interesse antes reservados apenas aos jogos de Copa do Mundo, um evento que os torcedores têm de aguardar durante quatro longos anos. Não é difícil entender o motivo: qualquer que seja o duelo, a presença de supercraques, a organização impecável e um futebol de altíssimo nível estão garantidos. No início da atual edição, pouca gente apostaria numa final entre Barcelona e Juventus – os catalães são sempre favoritos, mas os italianos não figuravam em nenhuma lista de candidatos à taça. Neste sábado, às 15h45 (de Brasília), no Estádio Olímpico de Berlim, essas duas equipes fecham a competição – e a briga parece estar muito mais aberta do que se pensava. Na capital alemã, a expectativa é por um jogo disputadíssimo, num encontro que ganhou muitos ingredientes especiais nas últimas semanas.

Barça e Juve chegaram a Berlim embalados: venceram os campeonatos nacionais e Copas de seus respectivos países, e agora brigam por um lugar na seleta galeria dos vencedores de uma tríplice coroa. Para o principal jogador brasileiro da atualidade, a partida é não apenas a chance de escrever seu nome na história como a realização de um sonho de infância. “É o jogo mais importante da minha vida”, avaliou Neymar na véspera do confronto, antes de um treino leve no gramado do Estádio Olímpico. O atacante do Barça já foi camisa 10 e capitão da seleção brasileira numa Copa do Mundo disputada em seu país, mas mostrou estar ainda mais emocionado com a oportunidade de jogar sua primeira final europeia. Se Neymar é um novato na decisão, seu companheiro de ataque já é um mito do torneio. Lionel Messi busca seu quarto troféu. Se marcar um gol, será o líder absoluto da artilharia histórica da competição. Curiosamente, o gênio argentino começou a ganhar notoriedade na Europa justamente numa partida contra a Juventus, no Torneio Joan Gasper de 2005, quando tinha apenas 18 anos. Então técnico da Juve, o italiano Fabio Capello mal esperou o jogo terminar para pedir à diretoria do clube que tentasse levá-lo para Turim. O Barça não quis fazer negócio – e, desde então, foi três vezes campeão europeu.

O palco do jogo deste sábado também tem importância peculiar para alguns dos craques envolvidos na decisão. A capital da atual nação campeã do mundo não repete sua importância histórica, política e econômica quando o assunto é futebol – a sede da federação nacional fica em Frankfurt, o futuro museu do futebol alemão será inaugurado em Dortmund e os principais clubes do país são o Bayern e o Borussia (o atual ocupante do Estádio Olímpico é o modesto Hertha Berlin). A histórica arena, entretanto, já recebeu uma final de Copa do Mundo em 2006 – quando Buffon e Pirlo brilharam e ajudaram a Itália a conquistar o tetra sobre a França. O goleiro da Azzurra busca seu primeiro troféu da competição. Pirlo, duas vezes campeão europeu com o Milan e eleito o melhor em campo naquela memorável final de Copa em Berlim, revisita o Estádio Olímpico no que pode ser o último jogo de sua carreira no futebol do continente (ele tem proposta para trocar Turim por Nova York, defendendo uma equipe da MLS).

Amigos e filhos – Outro maestro de meio-campo tem sua despedida confirmada para este sábado: o notável Xavi, que conquistou todos os títulos possíveis pelo Barça (incluindo três troféus da Liga dos Campeões) encerrará em Berlim sua trajetória no clube que o revelou. Se entrar no decorrer do jogo (será reserva de Rakitic), atingirá o recorde histórico de atuações no torneio (151 jogos). No segundo semestre, Xavi poderá ser substituído no elenco catalão pelo francês Paul Pogba, da própria Juventus. O vencedor do prêmio de melhor jogador jovem da Copa de 2014 está na mira do Barça e seria a próxima grande contratação do clube. O duelo em Berlim também promove o reencontro de doze finalistas da última Eurocopa, em 2012. Na ocasião, a Espanha de Xavi, Iniesta, Piqué, Busquets, Alba e Pedro massacrou a Itália de Buffon, Pirlo, Barzagli, Bonucci, Chiellini e Marchisio: 4 a 0. Outro duelo peculiar envolve os argentinos Carlos Tévez e Javier Mascherano, que cresceram como rivais por Boca e River, viraram companheiros de equipe no Corinthians e no West Ham e agora batem de frente na briga pelo título europeu.

Não é só a amizade dos argentinos que pode sair abalada da final. O veteraníssimo Buffon, 37 anos, revelou na véspera do jogo que seus filhos não gostaram de ver o Barça avançando à final. “Um gosta do Neymar, o outro gosta do Messi. Eles preferiam que eu enfrentasse outro time, talvez o Manchester City ou o Real Madrid”, contou. Se o goleiro conseguir parar os ídolos de seus filhos e erguer a taça em Berlim, quebrará um jejum de cinco anos sem conquistas italianas na Liga dos Campeões. A Juventus fez sua última final em 2003 e conquistou o título pela última vez em 1996. Já o Barça tenta consolidar seu status de bicho-papão da história recente do torneio. Nas últimas nove edições, foi semifinalista em oito e ganhou três taças, a última delas em Wembley, em 2011. Piqué é um dos remanescentes do triunfo sobre o Manchester United naquela final. Na tarde de sexta, ele se irritou ao ser questionado pela enésima vez sobre as semelhanças e diferenças entre a equipe treinada por Pep Guardiola e o time comandado por Luis Enrique. “Não me peçam para fazer essa comparação”, avisou.

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O zagueiro não hesitou em dizer, no entanto, que o atual elenco forma “um timaço, um dos maiores da história do Barcelona”, e se revelou muito ansioso pela decisão: “Temos uma oportunidade única de mostrar ao mundo do que somos capazes. Estamos a apenas 90 minutos da perfeição”. Luis Enrique concorda: “Estamos diante de uma geração única de jogadores no Barça. Todo mundo espera ver uma final espetacular”. O técnico da Juve, Massimiliano Allegri – que, assim como Luis Enrique, faz sua primeira decisão do torneio -, valorizou a qualidade técnica dos craques do Barça e elogiou o trabalho do treinador espanhol, atribuindo o favoritismo ao oponente. “O Barça é muito forte tanto no individual como no coletivo. Precisaremos de alguma sorte para vencer.” Em seguida, porém, o italiano deu pistas de que está confiante em seu plano de jogo: “Eles também têm seus defeitos”, afirmou, mantendo o mistério sobre sua estratégia. Apesar da histórica solidez defensiva da Juve e do famoso poderio ofensivo do Barça, as chaves para tentar projetar a partida não são tão simples assim – afinal, o time italiano tem marcado muitos gols e o time catalão terminou o Campeonato Espanhol como a melhor defesa.

Poder e riqueza – Palco monumental da Olimpíada de 1936, transformada por Adolf Hitler numa audaciosa peça de propaganda de seu Reich, o estádio da final deste sábado fica no extremo oeste de Berlim, a cerca de 18 quilômetros de Potsdam – a cidade que, nos últimos atos da II Guerra, com a máquina de guerra nazista já reduzida a pó, recebeu a conferência que esboçou a divisão do globo entre as esferas de influência dos Estados Unidos e da União Soviética. Setenta anos depois da reunião entre os líderes aliados Joseph Stalin, Harry Truman e Clement Attlee, o fim de semana da decisão do torneio também prometia grandes desdobramentos na política da bola. Como anfitrião da festa, o presidente da Uefa, Michel Platini, pretendia aproveitar a concentração de cartolas do mundo todo na cidade para articular um grande racha no futebol mundial, num equivalente esportivo da divisão entre os blocos ocidental e oriental materializada na construção do Muro de Berlim (1961-1989).

Em meio ao desgosto geral com o mar de lama na cúpula da Fifa, os europeus falavam até em boicotar a Copa de 2018 e atrair seleções de outros continentes para um torneio paralelo. Nada disso foi necessário: acuado, Joseph Blatter anunciou sua renúncia antes que Platini radicalizasse sua oposição ao suíço. Ainda assim, Berlim não deverá assistir apenas a um grande jogo de futebol neste fim de semana. Nos bastidores do evento, Platini e seus aliados deverão costurar seus planos para a sucessão na Fifa – o francês desponta como candidato fortíssimo, mas ainda não disse abertamente se entrará na briga pessoalmente ou se lançará seu apoio a um outro cartola do continente. Os dirigentes e convidados estão hospedados nos luxuosos hotéis de Mitte, o centro histórico de Berlim – a mesma região onde, no início dos anos 1930, esporte, poder e política também se misturaram enquanto Hitler planejava sua grandiosa Olimpíada nos gabinetes da Chancelaria do Reich.

Para alívio geral, porém, a partida deste sábado não corre o risco de ser contaminada pelas ambições pessoais dos chefões do esporte. Espetacularmente bem-sucedida, a final da Liga dos Campeões é um evento impecavelmente organizado e altamente profissional – e, portanto, mais protegida dos caprichos e trambiques da cartolagem. Nos arredores do Portão de Brandemburgo, região que um dia abrigou o bunker de Hitler e uma das “zonas de segurança” do muro, a Uefa ergueu seu festival itinerante do torneio, com jogos, exposições, estandes de patrocinadores e uma enorme loja de produtos oficiais (com simples camisetas a 105 reais). Quem atravessa o portão chega a um campo de grama sintética que recebeu na sexta o jogo anual de veteranos da Liga, com brasileiros como Cafu, Edmilson, Raí e Zico entre os convidados. Em meio a uma multidão de torcedores e turistas, fãs sem ingresso saíam à caça de uma entrada oferecendo quantias escandalosas (no mercado negro, um bilhete para a final não sai por menos de 5.000 reais). São sinais inequívocos do enorme apelo e da incrível riqueza do futebol europeu – e provas de que os cartolas do continente têm razão quando reivindicam o protagonismo na sucessão de Blatter.

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