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O ‘jeito Bulgária’ de ser

Cronista vai à estreia do Brasil na Copa de 1966 ver última partida de Pelé e Garrincha juntos, contra o mesmo time da 1ª vez, ruim de bola e de marketing

Por Claudio Henrique @comentaristadofuturo |
Pelé e Garrincha, a maior dupla da história da seleção brasileira -

Pelé e Garrincha, a maior dupla da história da seleção brasileira -

Comparando com os estados brasileiros, a Bulgária é uma espécie de ‘Espírito Santo’ da Europa – ambos nada badalados, quase não se fala neles. A frase pode soar hostil e desrespeitosa, mas trata-se de crítica construtiva, para que os dois comecem, desde já, a melhorar a divulgação de suas belezas naturais, virtudes, diferenciais… Isso porque, como venho do futuro, de 2022, posso garantir que, daqui a 56 anos, os dois continuarão, como dizem no interior, “desse jeitinho mesmo”, apagadinhos “que só”! E digo a vocês, queridos leitores e queridas leitoras de 1966, que a dupla sofre do mesmo mal: são ruins de “marketing”, simples assim. Não vou me estender aqui sobre nossos vizinhos capixabas – que até na moqueca aceitam passivamente a fama da rival mais exibida, a baiana –, mas vejam o caso da Bulgária: é o lugar onde nasceu e se faz o melhor iogurte do mundo e, pasmem, ninguém sabe disso! Pior: no próximo século vão assistir ao sucesso de um tal ‘iogurte grego’! Que vacilões, esses búlgaros…

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Pois saibam que o jogo de ontem, estreia do Escrete Bicampeão na Copa da Inglaterra, com vitória do Brasil sobre eles (2 x 0), é, desde já, nova chance de fazer a Bulgária “bombar”, isto é, em bom “capixabês”, “pocar”! Acreditem: deu-se ontem a última partida em que o mundo pode testemunhar, jogando juntos, a maior dupla da História do Futebol (em 2022, ainda será!): Pelé e Garrincha. Foram 40 jogos da seleção com os dois craques em campo, sem uma derrota sequer. Desde a estreia, em 18 de maio de 1956, quando o técnico Feola juntou as duas feras num amistoso contra a … Bulgária! Sim, é isso mesmo: Pelé e Garrincha jogaram juntos pela primeira e última vez em partidas contra a Bulgária! E no futuro não se falará sobre isso! Alô, pessoal do marketing do governo búlgaro! A bola tá com vocês…

Sei o quanto é grande a expectativa de todos que hoje me leem neste cinzento 1966, dois anos já passados do Golpe Militar. Afinal, “com o brasileiro não há quem possa”, ganhamos as duas últimas Copas e porque então não ganharemos essa também? Só que não! – pra usar uma expressão da linguagem do próximo século. Não darei muitos detalhes, pra não estragar a emoção, mas sinto informar que não ergueremos a Taça desta vez. E nos jogos que faltam – não direi quantos (Nota da Redação da Placar em 2022: o Brasil saiu na primeira fase, disputando apenas 3 partidas) – teremos circunstâncias, tais como Pelé machucado e Garrincha no banco (não me perguntem o porquê), que impedirão novo encontro dos dois em campo, vestindo a ‘amarelinha’.

Desde aquele 3 x 1 de oito anos atrás, contra os mesmos búlgaros, no Pacaembu, foram 36 vitórias e 4 empates do Brasil tendo esses gênios da bola no ataque. Ganhamos dois Mundiais e uma Taça Oswaldo Cruz, há quatro anos, fizemos uma média de 3 gols por partida (Pelé, 44; Garrincha, 11), sendo o Maracanã o palco que mais vezes recebeu a dupla, nove, seguido pelo Pacaembu (SP), cinco, um privilégio para Cariocas e Paulistas. Não à toa, adianto a vocês, em 2022, de ‘quando’ venho, teremos homenagens à dupla nas duas cidades, no próprio Maraca e num futuro ‘Museu do Futebol’, no estádio paulistano.

E na Bulgária? No país que estava do outro lado do campo na primeira e na última vez que o ‘Rei’ e o ‘Anjo de Pernas Tortas’ jogaram lado a lado, haverá alguma estátua ou referência a isso? Necas! Terei que usar outra expressão usual em 2022: “Fala sério!” No Futebol, ao menos até 2022, esta “virada” na fama e na qualidade do time búlgaro não acontecerá. Mas eles chegarão, creiam-me, a disputar uma semifinal de Copa do Mundo, isso em 1994, quando vão apresentar ao mundo, depois de muitas tentativas, um craque do primeiro patamar da bola: Hristo Stoichkov, que ganhará, inclusive, prêmios de melhor jogador da Europa por suas atuações pelo Barcelona, da Espanha. E daí não passarão. Como o esporte é o mais popular no país, os torcedores búlgaros viverão, por pouco mais de meio século, esta agonia – ou, novamente em ‘capixabês’, esta ‘gastura’.

E ontem não foi diferente. Tentando anular o poderia de nosso Escrete, os jogadores da Bulgária iniciaram a partida flertando com outras modalidades esportivas, como a capoeira e a Fórmula Um – era rasteira e ‘carrinho’ toda hora. Numa dessas jogadas violentas, Yakimov derrubou Pelé próximo à área e ‘pimba’! Um a zero. Anda tivemos novas oportunidades mas o segundo gol só veio na segunda etapa, e novamente de falta, desta vez cobrada pelo outro astro da peleja: Garrincha. Antes do apito final, o público presente ao estádio em Liverpool (eu inclusive!) ainda pode se deliciar com mais duas jogadas geniais da dupla.

Aos 27 minutos, Pelé dá uma daquelas suas arrancadas, passando por três marcadores, e arremata, para defesa milagrosa do goleiro Naidenov. E já quase no fim, foi a vez de Garrincha – mesmo com o 16 e não o 7 às costas – superar vários búlgaros e chutar às redes, mas pelo lado de fora. O ‘Grand-Finale’ que ambos mereciam, à altura da trajetória da dupla. Fora de campo, no futuro saberemos, nunca foram e nem serão, digamos, ‘amigos inseparáveis’, mas sem mágoas ou ressentimentos. O ‘santo batia’ mesmo é com a bola nos pés. Além do Brasil, juntaram esforços e talentos em outros 11 países, tendo a Suécia esta honra 8 vezes. Na flor de seus 25 anos, Pelé ainda vai longe – sim, ainda mais – no futebol, jogando e brilhando na próxima Copa. Garrincha, já com seus 32, seguirá insistindo no sonho de retomar a velha forma, mas com pouco sucesso. Em sua despedida, aliás, em jogo não-oficial, terá mais uma vez a companhia do ‘Rei’ num combinado nacional montado para a festa, daqui a sete anos. E desta vez não será contra a Bulgária, que sequer terá a destreza marqueteira de requisitar ser de novo o nosso adversário. Bobinhos…

Em 1958, na Suécia, todos lembram, ao serem escalados finalmente como titulares, já no terceiro jogo do Brasil, contra a Áustria, Pelé e Garrincha protagonizaram os famosos “três minutos mais incríveis da história das Copas”, pela descrição do jornalista francês Gabriel Hanot, do jornal L’Équipe. Mal a bola rolou e Garrincha fez cruzamento para Pelé chutar na trave. Depois, foi a vez do ponta acertar o ‘pau’. Um início estonteante dessa história escrita ‘a quatro pernas’ e que, perdoem a minha indiscrição, talvez não merecesse esse capítulo final na Inglaterra, insistência da CBD em repetir a fórmula vencedora das últimas duas edições de Mundiais. Certamente hoje João Havelange e seus asseclas estarão rindo à toa, inflados pela vitória de ontem, com dois gols da dupla, o que estaria confirmando suas crenças sobre a permanência de Garrincha e outros veteranos. Só que não…

Vencedora a dupla é, isso é inegável. Até no fracasso do Sul-Americano de 1959, perderam o título para a Argentina após um empate, sem derrota. Depois, em 1962, além de brilharem na Copa do Chile – especialmente Mané, com a contusão do ‘Rei’ –, destacaram-se também na final histórica entre Santos e Botafogo, mas um de cada lado. Passaram-se três anos sem que o destino – e a cartolagem – novamente reunissem as duas estrelas no ataque brasileiro. Até ano passado, naquele amistoso contra a Bélgica, quando metemos 5 x 0, com três gols de Pelé.

Com tantos momentos gloriosos desses dois em campo, é de se admirar a incompetência marqueteira de outra localidade, além de Bulgária e Espírito Santo: Pau Grande, terra natal de Garrincha. Em 2022 ainda não existirá lá, como na praiana Santos, de Pelé, um museu ou santuário ao craque das pernas tortas. Definitivamente, como diremos no futuro, é não saber ‘se vender’. E no futuro, cada vez mais, quem não detiver esta habilidade vai sucumbir em meio ao palanque contínuo das ‘redes sociais’, vocês ainda vão conhecer… Em tempo: a Bulgária produz iogurtes há 4 mil anos e o produto é único e especial pela inclusão no preparo das ‘Lactobacillus bulgaricus’, bactérias que só podem ser encontradas no território do país e com propriedades curativas e para a saúde intestinal. É o que eu sempre digo: há coisas que o mundo precisa saber! A dupla Pelé e Garrincha o planeta inteiro conhece.

PRA VER LANCES E GOLS DO ÚLTIMO JOGO DA DUPLA

PRA VER LANCES E GOLS DA DESPEDIDA DE GARRINCHA, COM PELÉ EM CAMPO

FICHA TÉCNICA

BRASIL 2 x 0 BULGÁRIA

Competição: Copa do Mundo de 1966, Inglaterra – Primeira Rodada
Data: 12 de julho de 1966
Local: Goodison Park Stadion, em Liverpool (ING)
Público: 52.487 pagantes
Árbitro: Kurt Tschencher (Alemanha Ocidental)
Assistentes: George McCabe (ING) e John Keith Taylor (ING)

BRASIL: Gilmar; Djalma Santos, Bellini, Altair e Paulo Henrique; Denílson e Lima; Garrincha, Alcindo, Pelé e Jairzinho. Técnico: Vicente Feola

BULGÁRIA: Naidenov; Shalamanov, Penev, Kutzov e Gaganelov; Jetchev e Kitov; Dermendjev, Asparukhov, Yakimov e Kolev. Técnico: Rudolf Vytlacil

Gols: Primeiro Tempo: Pelé, aos 15’; Segundo Tempo: Garrincha, aos 18’
Advertências: Kolev, Jechev e Denílson

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